segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

cinza

acordei,
acenei ao mar bravio que se impôs sobre os para-choques
de são paulo

nada é seguro quando a palavra
vira gesto e
surge, resoluta
por debaixo da porta

mal sabem os escribas que dentro da minha pele
é só você contra o mundo

como cuidar dos elefantes?

recusando-me a estar sozinha. meu coração inquieto vagueia por esquinas e paradas quanto for possível. invento ilusões, picos de montanhas, posições de yoga e frenéticos acordes para a orquestra que nunca terei. leio, leio muito. ligo para os amigos mais incautos e ficamos a tomar chá e tecer nós durante toda a tarde. em suma, crio elefantes na sala: preencho os espaços em branco com o máximo de verbos que couber. sempre em busca do azul. a procura do azul move montanhas - ou, ao menos, pratos de porcelana barata.

pergunto-te: onde mora a sanidade? devemos incorrer erros em busca de verdade qualquer ou evitá-los a fim de compreender a eletricidade?

faço-me entender? devemos insistir em nossos desejos furiosos - rompantes de água - ou fluir pela catequese psicanalítica da verdade?

pergunto-te porque, sob todas as análises, estar ao lado de - ou insistir no erro, ergue-me a bandeira a orelha direita - seria a medicação mais indicada para as falhas de caráter existenciais. ou a pura e velha necessidade de amar & ser amada.

seguir a pavimentação ou pôr os pés na terra? em qual momento abater árvores não é tão somente repetir o discurso gasto? 

deveríamos afastar ou construir, mão & mão, o trampolim? até que ponto atravessar cidades, indo de uma paixão à outra, não se trata de correr em círculos no mesmo quarto? 

por fim:
estou sempre a esperar notícias do atlântico.   

beijos muitos & todos

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

cobogó

um baile

um acidente arquitetônico de suave jazz
no estalar da língua

co
    bo
        gó.

talvez uma vertigem
                   (mania de espelhos, 
                    nomeando-os guarda-sóis)

não há mar e o que resta de oceano
resvala pelos vãos de cimento

co
     bo
         gó.

os dezessete azulejos azuis na parede avisam:
basta o sopro.

como quando aprendi a voar:

seja firme
 - mas não tão forte -
ao mergulhar em sal e,
sobretudo,
não se deixe queimar

(sobre a mesa,
o coração.

não nos iludamos:

diante das certezas,
os saltos.

os galopes.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

desisto de contar gaivotas.

recolho-me à passividade dos desesperançados.

passividade - vem de paixão, sabia? respirar aos poucos, um espasmo de cada vez.

tenho miniaturas de casas holandesas, gatos, vacas, elefantes, um trompetista e uma caixa musical. (toca mozart). procuro fugir do óbvio com miniaturas de animais: um dia terei meu zoológico particular na entrada de casa. uma galinha seguida de um dom quixote.


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

tríptico

sob palavras, vejo-te
corpo exposto
à mesa

cobrimos de vidro
e sal
chamamos casa
nos inundamos de
mar

entretanto, luz.


****

esqueço-me da noite quando em ti

percorro a casa vazia
a te procurar
atenta aos sinais mais absurdos

às obsessões clandestinas que
nos uniram quando
do instante

os braços doem.

decido parar de contar
gaivotas.

depois paro e penso
(no teu mar)


****

sintoma das gaivotas


das ondas,
a inevitável diferença entre
o assombro
e a sublime experiência
do infinito.

carrego de instante os bolsos

as mãos trafegam, não
sem ardor,  pelas linhas
do teu mar

agora, observe.

vê o esmorecer do vermelho junto ao
cais?

as aves soçobram o tempo e
gritam:

domingo, 18 de novembro de 2012

tenho o sintoma das gaivotas

trazem com as ondas
a inevitável diferença entre
o assombro e a sublime experiência do infinito

carrego de instante os bolsos
onde as minhas mãos trafegam
- não sem ardor -
pelas linhas do teu mar

agora, observe.

vê o esmorecer do vermelho junto ao cais?
agosto não é mais como queríamos

as aves soçobram o tempo e
dizem:

vem.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

estou em dias de agonia. corro e ardo, jogando os braços contra a parede à espera de. não há azul, não há azul, não há azul - seria o maremoto se anunciando? creio que não: creio ser, afinal, mais do mesmo. círculos em torno do amarelo-ocre, o espaldar de um mil novecentos e setenta e sete. atraso-me por não conseguir levantar: a rua arrefece enquanto as mãos, nuas, reconstruem o oceano. de todas as janelas, as vermelhas. tenho saudades de ricardo, o que percorreu estradas - gostava de tocar a sua liberdade. não, poesia não se faz com o fígado. poesia arranca - e não há garganta que a faça parar.

domingo, 4 de novembro de 2012

tarefas para segunda-feira

alimentar os
elefantes da sala
levar as cartas aos correios
(já com os selos lambidos)
não temer o azul
lá fora
lavar os pés com a água
d'após o abismo
desconfiar
da eletricidade
abrir o instante e
da ponta da faca
abrir-me

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

a poesia que escapou
sob o lençol
sangrou quieta de marinho
ácido você
retirou-se da sala antes do poema levantar
sequer me acordou

sábado, 4 de agosto de 2012

de repente arrepender-se por ser assim: constante ebulição, lençol pelo avesso, cinema de garagem. pássaros infinitos em revoada pelo quarto.

de repente não arrepender-se por ser assim mas abrir uma fresta de vez em quando para observar o tráfego. os carros bailarinas no espaço

dormi com a sua doçura sour ontem quando estive a um passo de enlouquecer

e daquelas três fotos guardadas em papel pardo para fingirem tom abaixo do normal, já não me reconheço mais, tão brancas as pernas

se fosse para buscar uma palavra, resgataria aquele rasgo de amarelo das tuas retinas quando com medo

para afastar a reza
para aproximar o vento
para acalmar o coração inquieto




quinta-feira, 19 de julho de 2012

talvez seja o frio de são sebastião
talvez por ter voltado a fumar
talvez esse anel inquieto no anular

talvez o pina (que me secou as palavras
talvez o azulzyness (propriedade do azul em se espalhar
talvez o ano, estranho esse (segue a rebentar

talvez por isso ainda insisto
nesse sorriso
nessa tempestade
acreditando (mais dia menos dia
desagüo nesse mar

quinta-feira, 12 de julho de 2012

de um azul tão rente ao osso
inventa manhãs apenas para

incendiá-las
depois
quem me dera
caetano diz que sim
a verdade é que
ah, deixa para lá

sábado, 30 de junho de 2012

irmãos

somos cinco:
João
o mais velho
o filósofo
o desaparecido
- eu

nunca juntos sorrimos
em uma fotografia

não saberia dizer
- por exemplo
o exato instante em
que o mar descobriu ser de joão

no entanto sei
que
o desaparecido lá nunca esteve

mas sei do filósofo
sóbrio
certa noite disse-me:
- o amor é só
um estremecimento do azul

e assim, Cássio, tenho seguido

terça-feira, 26 de junho de 2012

a palavra com sede
como se fôssemos animais
durante um tempo
esquecemos que era domingo
(e todos os dias poderiam ser domingo)
quando nossas palavras acordavam à beira da cama

hoje tentamos dormir cedo
para fugir das taxas de incêndio
do homem do gás e dos altos impostos
sobre a reincidência em amar demais

houve um tempo em que acordar era
só afastar o sono dos olhos
acordar hoje
custa o peso dos sonhos

domingo, 17 de junho de 2012

dear nathalie,

você me pediu cinco verdades.

vou te dizer que essa foi a tarefa mais escrota que já passei num mundo de quem nem acredita em vinte e quatro verdades - que dirá cinco.

uma.

amar é a única verdade.

é o único desmantelo. é a pior eletricidade. a física quântica convertida em alentejo.  amar é a única receita eficaz contra o maior mal da humanidade: roer o sabugo. não se parar de roer: se cria outros dedos. outros mindinhos. a única verdade que existe é amar. única.

se ama muito nessa vida. e amar, só se for intensamente, ladeira abaixo, arrancando dedos, anéis, sífilis, ilusões, desejos e matizes. amor arranca: consegue nos arrancar de nós mesmos, da mesmice, do estado-boi ao acordar pelas manhãs. o amor inventa palavras, desafia a eletricidade, arranca os peixes-surdos do mar e rasga o silêncio. o amor nos faz percorrer estradas e andar sobre águas.

existe o mar. existe a estrada. e existe o amor.

duas.

o tempo recria a fotografia.

é quase uma esquizofrenia o que o tempo faz com as nossas impressões. os nosso verbos. as nossas dores. o enorme vira ínfimo. o você vira quem sabe. a cicatriz torna-se passagem. e o abismo - ou configurou-se abismo mesmo ou se diluiu em cerveja gelada. ALIÁS: todas as certezas se diluem em cerveja gelada (até a hora de seu estômago reclamar). até aquela mágoa enraizada, aprofundada, amalucada, se evapora no doce sol do passar das horas. a memória - especialmente a seletividade dela - é como o azul lambendo a areia. no nosso caso, os abismos particulares (e sempre, sempre, tão originais).

(já ouviu araçá azul?)

três.

o mundo precisa dos poetas como a palavra precisa do silêncio.

e aqui eu devo adicionar um parêntesis: não é para enaltecer o meu lado, não. o universo é constipado de beleza e azulzyness (capacidade de afogar os nossos olhos no mais lindo azul que nem yves klein conseguiu um dia), mas tempos há em que as retinas só captam os postes, a má editoração do livro, a clonagem do cartão, o sotaque ridículo da sua estagiária, o karaokê insuportável dos seus vizinhos no domingo à noite com o baterista que - enfim. you got it. o poeta é este ser endemoniado, preso o intestino com todas as palavras do mundo e que as vomita diante da delicadeza de um alheio, de um sorriso incerto, de uma estrada que abre a boca para te engolir. como se carregasse o verde preso à bile. o corpo do poeta é feito do que ele mais ama e odeia no céu: palavras. sua respiração é feita dos silêncios e corta as unhas para poder cuspir as vírgulas. o mundo esquece que é feito de verde e de legiões. o poeta vem com as montanhas. o poeta surge na finda noite e grita: vem.  

quatro.

o homem é linguagem.

há um rinoceronte embaixo da mesa. tudo que somos, que aprendemos, que acreditamos serem verdades - fruto da linguagem. absorvemos sentenças e gravamos-as como fixas em nossas cabeças. sentenças, dados, imagens  - como flores que apanhamos em campos frugais. filmes que vemos, livros que lemos, frases que ouvimos, situações ocorridas com outrem e tomamos para nós.

a linguagem é tudo. é o que nos resta: brincar com ela. torná-la nossa aliada. nos transformarmos como a língua se transforma.

cinco.


malas são desnecessárias.

quando se decide ir de um lugar a outro o melhor a fazer é ir de mãos vazias - para receber bem a água fria. aquela coisa de formar uma concha com as mãos e beber do vento, sabe? claro que viajar é substancialmente diferente do mudar-se (ainda que a melhor viagem seja, nem que por algumas horas, comportar-se como verdadeiro morador, antena captando sotaques & manias), mas para quê carregar consigo o lugar de onde se partiu?  

sexta-feira, 1 de junho de 2012

minha matéria
é de sonho


sábado, 26 de maio de 2012

quero escrever um poema
que me calle a alma
como calam os portugueses

um poema simples em que todas as palavras acintem a  mulher a
tire para dançar

em que os versos sejam livres e dancem toda noite adentro e que esqueçam
dos pés esqueçam dos lábios esqueçam de mim

sexta-feira, 18 de maio de 2012

a tua fidelidade
pertence tão somente
ao mar
dou voltas em torno de mim
para te encontrar

sexta-feira, 11 de maio de 2012

os peixes-surdos do mar
proclamaram hoje
a república:

viva o silêncio
gritaram
nãoqueroteubarco,não,moço

                        - minha pescaria é de joelhos
ah, esse algo que chamamos amor - o que fazemos com isso?

bananais.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

talvez seja mesmo caso de internação.

a menina dos olhos de anágua leva o caderno rosa em uma mão. na outra, acerta a trança.

terça-feira, 8 de maio de 2012

você não tem que ser bom

você não tem que atravessar o deserto
de joelhos
murmurando
                          eu sou o mar

você precisa apenas deixar o cavalo
correr solto
amar o que seja
            
                   amar como seja

                                                                [venha.

me conte das tuas dores
das tuas noites sem dormir
do ouro da tua pele
- arde
e arranca

te conto da minha escuridão

viver apesar de
viver esquecendo de
viver à revelia de

enquanto o mundo persiste em ser mundo

enquanto o sol e as frágeis gotas de chuva
avançam sobre a lagoa
sobre a areia
sobre o asfalto
sobre mim e sobre você
sobre os rostos que tremulam em
velhas fotografias

enquanto os pássaros
tolos e selvagens
mais uma vez voltam para casa
sob imenso céu azul

quem quer você seja
tão envidraçado esteja
o mundo se oferece
cão vadio a teus pés

te chama
como aos

tolos e selvagens
pássaros
te grita
conduz cada coisa
                     a seu lugar


(à tua volta tudo canta
tudo desconhece)

terça-feira, 24 de abril de 2012

sobre andar de ônibus e evitar o avião

a estrada lambe as lágrimas e diz da dor:
o passará.

mas virará cristal líquido,
depois estilhaços  
e por fim, vapor
você já criou cavalos?  cavalos são dóceis e disciplinados. cavalos deixam marcas na primavera. com o aquecimento global, estamos no inverno do outono. a primavera será no inverno. a primavera trará mucuripes e amor em pleno julho: um verdadeiro acinte.
poucas coisas no mundo me dão tanto tesão como você.

escrever. ler um poema fodido, desses que puxam as vísceras. acordar pra ver o mar. furar o dedo e chupar o sangue. lamber o vento da estrada. chupar água de milho. pegar um ônibus alucinada de desejo na madrugada. a segunda garrafa de vinho. o terceiro tiro. a minha virilha na sua língua. chupar gelo com ectasy. banho quente em dia de calor. teu pau dentro de mim na água salgada. teu livro. teus raios. teu nome.

terça-feira, 27 de março de 2012

hoje dei pra acreditar nos cavalos rebeldes e suas crinas de asfalto
acordei feliz, mantive-me feliz
e não tive medo de dizer ao homem de são paulo que o amo
sem esperar nada em troca
talvez seja a análise,
talvez seja o leminski

(isto não é um poema, isto é uma recordação da escandinávia.)

eu era pequena e sonhava em sair de salvador
inventava história mirabolantes como: belo dia surgirá nave espacial que me mostrará ser o futuro exatamente onde havia pensado:

- longe

dona heliana ria e alertava: letícia, é impossível viver de ficção - lembre sempre que beleza é verdade, verdade é beleza (dona heliana detesta os românticos, mas idolatra john keats, veja só)

dona heliana nunca acreditou em deus mas tem a missa inteira em latim decorada e anda para cima e para baixo com uma novena do menino jesus de praga (o santo das causas impossíveis; "viver é uma causa impossível")

certa tarde me chega na caixa de entrada um e-mail sem assunto. era somente: "Seja sincera comigo. Tenho a sutileza de um elefante. E estou cada vez mais elefanta. A vida é dura."

no último sábado, minha mãe fez sessenta e dois anos. perguntei se gostaria de algum presente.

"Os presentes são objetos inúteis. Um texto (não gostaria que fosse um poema pois os poetas não sabem ganhar dinheiro) seria mais precioso do que um diamante)."

esse é para você, dona heliana maria.

domingo, 25 de março de 2012

para xico em uma noite de ressaca

lembra
de como estoavas estrada adentro
levando nas mãos fiapos de sono
e eletricidade?

quinta-feira, 15 de março de 2012

o poeta afasta o sono dos óculos e atravessa o estado de são paulo com um pássaro na mão

chove. fazem 24oC no passado do poeta e ele está sentado na saída de emergência sem sentir-se exatamente apto a forçar uma passagem (mas também falta-lhe a coragem para revelar a inaptidão)

o poeta não sabe o que faz dentro de um ônibus em são paulo
estou no ônibus das sete horas. o motorista se apresenta como ari, um negão alto, de cabeça raspada e loira. ao meu lado senta uma menina com uma carta na mão; um bilhete, melhor, desses escritos em caderninhos de anotação e arrancados com a espiral e tudo. tem os cabelos negros e uma toalha azul. tento ler o que está escrito (ela lê e relê, a primeira página totalmente escrita, a segunda com três linhas), se detendo em poucas palavras (e só de vez em quando). faz um sol do cacete em são paulo, quase como verão. já é março e ainda é verão (ou: o sol chegou mais tarde em são paulo). atrás de mim, um garoto vê televisão, num desses aparelhos modernos-disco voadores-só faltam falar. à minha frente, um homem de seus cinqüenta anos e quatro filhos lê a veja. por que um homem da veja pega um ônibus para o rio? (talvez superstição. medo de avião.) um senhor passa: óculos de linha e relógio de bolso. ainda fabricam relógios de bolso! um relógio de bolso indo ver o mar pela primeira vez, será? quero te levar para ver o mar, o jardim do mam na quarta-feira à tarde, a deselegância indiscreta das meninas do leblon; segurar tua mão para você dormir e te abraçar todas as minuciosas vezes quando viras o corpo e seguras meus braços em torno da tua cintura. é difícil partir. porque uma costela minha já fica bem aí, encostada às tuas.

sábado, 10 de março de 2012

caralho
como a gente corria contra o tempo
dentro da rua, invadindo
uma suposta dignidade

caralho
como eu gostava de ouvir as tuas
andanças sobre o azul
tu inventavas até o silêncio

tu: que nunca soubes apreciar uma verdade

o jornal de hoje ainda não publicou tua foto
deve estar atrasado
assim como o trem o senhorio
assim como a terça-feira que passou
e ninguém viu

terça-feira, 6 de março de 2012

de resto

1. não tenha medo da eletricidade

2. a noite é longa, mas eu te protejo

3. god bless silent pain and happiness

segunda-feira, 5 de março de 2012

são dezoito e trinta e seis e eu passei o dia a procurar apartamento, a imprimir extratos bancários, a preencher cheques de seguros-fiança e a reunir forças para agrupar palavras em conversas inúteis sobre tipos de amendoim com corretores que certamente prefeririam estar trepados a uma cabra e a uma atendente de supermercado ao mesmo tempo em uma orgia louca às quatro da tarde do que me convencendo de que aquela bosta na rodolfo dantas não vai precisar de uns cinco mil de reforma.

hoje é segunda-feira, cinco de março e já recebi cinco ligações de números bloqueados - nota mental: apenas desconhecidos sabem teu nome completo - e fiz as compras da semana. os ovos de páscoa no supermercado parecem armas de destruição em massa. saudade do cheiro da crença em algo: na parafina, no merthiolate, na literatura, no despertador. ou vai ver é falta de band-aid.
parem de dizer
que só escrevo poemas tristes

vocês com seus olhos de
nódoa
fazem chover em todos os meus
poemas
as minhas costelas pertencem
a francisco
as minhas costelas não querem sair
de francisco
as minhas costelas acordam quando os braços nus
de francisco as chamam para si

elas se desfazem
escorrem por francisco:

viram fiapos de manhã
em plena segunda-feira
de são paulo

domingo, 4 de março de 2012

salvador tornou-se triste, triste bahia. ó quão dessemelhante. criança, no colégio católico, inventava toda sorte de narrativas de exílio: mamãe havia ganho na loteria e iríamos nos mudar para o rio de janeiro, meu pai havia se mudado para são paulo e viria me pegar. nunca ganhou, nunca veio. ainda esperaria uma década para sair de salvador.

dentre as quinhentas paranóias norteadoras desse calcanhar, uma é constante: o pânico de voltar a viver na bahia. que é quase o mesmo pânico de voltar a estudar no colégio católico. mesmo depois de já ter trocado de colégio, matriculada & uniformizada, acordava suando, com os padres me perseguindo. situação de pânico: sentada, na mesma carteira, com aquele m azulado, rodeado pr estrelas, me perguntando por que diabos estava ali.

é ter nascido para ir embora. viver à espera do dia da liberdade, da carta de alforria. dezoito anos vividos em busca de uma saída. e agora, seis anos depois, salvador fica mais - e muito mais - parecida a um disco de caetano veloso.

feito em londres.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

venha.

venha aqui me dizer que
o amor morreu
se é que você tem
coragem.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

adoraria escrever um poema
talhado em arestas e nos erros de
uísque com sequer um gelo

adoraria muito mais, na realidade
VIVER DE POESIA
o poema entrando pela córneas
rasgando as vísceras
dos contadores dos jornaleiros dos porteiros enxeridos

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

o rio que corre dos teus olhos
inundou a minha sala
encharcou o tapete e os
armários

o rio que corre dos teus olhos
afogou as minhas roupas,
as velhas idéias
todos os nomes: os de batismo e
os de invenção

o rio que corre dos teus olhos
derramou peixes e pássaros
que comeram as notícias antigas
e as ordens de pagamento

o rio que corre dos teus olhos
me diz que o mundo é vulgar:
dos braços,
faço um barco.

desagüo no silêncio fugidio
e dos teus olhos
viro mar

domingo, 12 de fevereiro de 2012

poesia é um tal de bailar com as palavras: escolhe-se uma, senta, outra chama para dançar, mas ei, não vai embora assim, olha as cortinas, as cortinas!
olho fixamente para as mulheres de quarenta anos
tentando reconhecer
algo ali que seja
meu.

tento descobrir em cada olhar,
pescoço, nuca
em cada rosto cansado pelo naufragar
- ou até pelo êxito -
dos sonhos & dos planos
os meus navios feitos de
areia e sal

ainda sorrirei com o canto da boca
quando minha mãe tiver desaparecido do dia?
revirarei as mãos para trás
- como aquela mulher, ali, em vermelho -
aplainando o cansaço de tanto
tato?

e o cabelo? seguirá feito de vendavais?
a mulher ao lado tem lindos fios de eternidade
pairando sobre as costas
- dançam, os brancos, dançam

maldita incapacidade da visão:
não me é permitido vislumbrar o futuro.
assim sendo, penso enfim como violino,
embalado em suaves ondas de solidão,
sabedoria e tempo.

talvez um dia, consiga.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

começo a distinguir
as diferenças entre as tuas esquinas:

onde resta tão somente horizonte
onde dorme suave desespero
onde se esconde o concreto
que teus pássaros rasgam

o céu
onde tu enganas o desfile
e recaptura setembro
desenhando no muro
o primeiro vôo espontâneo
de tuas asas

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

eu tenho uma cartomante. tinha, na verdade. ficava ali, numa rua em botafogo, de costas para o túnel, de frente para o mar sagrado dos prenúncios da ilusão. a lista de espera é longuíssima - antecedência de, pelo menos, três meses. há muitos cariocas necessitados de certeza na vila de são sebastião do rio de janeiro.

a consulta seria hoje, às nove da manhã. confirmada, aguardada, ansiosamente esperada. o caderninho repleto de perguntas. da última vez que eu fora, a cartomante me passara uma lista de tarefas (não basta saber do futuro, há ainda que se trabalhar arduamente no presente) e, como boa menina criada em colégio católico, iria apresentar a notinha fiscal com quatro das cinco penitências cumpridas.

mas daí que surge são paulo & o amor. e tudo desaba diante daqueles olhos desafiadores do asfalto. além do mais, para que serve uma cassandra furiosa quando se pula de mala & cuia no vendaval dos braços de um homem?

enraivecida, a cartomante ainda é moderna: manda uma mensagem de celular avisando que jamais, sob hipótese alguma, poderei retornar a ela. não se despreza assim uma clarividente, sem sequer avisar da mudança de planos. (ora, se ela tudo vê, não teria também previsto a ausência?)

com um sorriso nos lábios, comecei a segunda-feira: muito melhor que o futuro é descer a rua augusta.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012



dentro de cada pingo d'água cai uma lembrança

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

amor de ma vie: a falta de notícias não foi intencional
(sequer relapsal)
a labuta anda me exaurindo os dias
outro dia, narrando você
te descrevi como o 'elegante menino
criado em paris'
e agora você me aparece, na rue st. honoré
num café minúsculo e simpatico
com o nome genérico de saudade

entretanto, je t'aime

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

eu vivo das pequenas saudades
que brotam
nos lápis
nas xícaras borradas de café
na unha carcomida
mas principalmente
a pequena saudade
(residente fixa)
do bilhete que você deixou
na segunda gaveta da mesa
pra avisar do mouse emprestado
(do dia roubado)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

(pausa para a poesia dos outros)

"A Música Segundo Tom Jobim", do Nelson Pereira, é uma doce felicidade percorrendo o coração.



Tem problemas? Tem problemas como a vida tem problemas, como é da vida virar uma esquina antes de entrar na rua certa. Como é da vida esquecer as chaves ou exagerar na fábula para conquistar o menino ao lado.



Mas nada se compara à felicidade de ver e ouvir a música de Tom. A emoção de Sabiá. Wave. Águas de Março - salve, Elis. E pela delicadeza (e audácia) de falar de Tom Jobim na língua de Tom Jobim: não há espaço para o especialista, a tia, o papagaio, o fã e todos esses tipos que infernizam e pipocam por aí

. A música e tão somente a música é a rainha, completa e azul, descortinando cada pedacinho de alma. Um suspiro de felicidade em meio a um cinema que anda tão repleto de dados & informações.



Minha mãe, apaixonada como sempre foi por bossa-nova, quando era apenas uma bela menina baiana estudando literatura no Rio de Janeiro, uma vez sentou num bar no Jardim Botânico, justamente atrás de Tom. Sozinho, bebia e tentava compor uma música, no papelzinho. Ia pra lá e pra cá, cantarolando. E assim a tarde caiu: minha mãe, café atrás de café (sim, mamãe bebia café em bar), observando o mestre em ação. A melodia, ela reconheceria depois, era Lígia.



Pouco importa se é verdade ou não: essa é a história mais linda do mundo.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

dessa estranha mania do pertencer

os pertences ficam por aí, soltos, largados, como se vontade tivessem de correr mundo. nunca vi espalharem-se tanto. a mala em são paulo foi devidamente recuperada, pois sim - mala esta desossada por um um cruel, crudelíssimo guichê da alfândega italiana -, mas falta recuperar os livros - a coleção completa de graciliano -, o discos - ah, transa, como você me fez feliz um dia -, as pastas de documentos, as autorizações de imagem. os quadros. aquele que você detesta. juntar, caquinho a caquinho, todas os mínimos espalhados pelo quintal. estendê-los ao sol, curá-los do mofo. sair à cata dos papéis perdidos - onde foi parar o passaporte mesmo?

e você ainda me fala em permanência.

domingo, 15 de janeiro de 2012

lembrar de marcar o oftamologista:

são necessários óculos escuros
para enfrentar a rua

retinas desprotegidas e sinceras
consomem muitos sonhos
"alfredo encharcardo de sonhos, de imaginação"
poesia se faz pelas beiradas
com os dentes à mostra,
mãe

de quereres já cansados
um navio enrodilhado
o salto inabalável que grita:
vem

tão somente o que há, mãe
são os pássaros

trôpegos de delicadeza
trazem notícias do além-mar
com o tinto cheiro das ilusões

(agora que estou em terra
as folhas não desabrocham)

hoje é dia dezesseis, mãe
e tenho como meta
colocar a vida nos eixos
a trilha nos eixos
a cabeça nos eixos


a poesia é um vagão
o trem que parte
sou eu

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

doismiledoze começou num recanto sereno, embalado por horizonte e plumas. quem jurou jamais atravessar o estado da bahia novamente se vê agora enrodilhado em meio à fome das gaivotas. a revoada tem fome, anima, vê. estribilho das gaivotas: você morando no meu corpo.

recife, só à noite - durante o dia, apenas vi o mar. mar bicolor (como os sapatos de seu arnaud): azul, azul, azul - e de repente, a invasão gutural do verde. doce irene a nos guiar: irene no céu, irene anjo, solanjo.

e eis que agora dei para te visitar todas as noites - não obstante agarrar-me aos teus braços, corro pelas areias do teu barco; de soslaio, invado com tintas os teus arrabaldes. cubro de vermelho a lindinha do rio e em ti, guardo outra palavra: horizonte.

pulemos no vazio, então. venha, segure a minha mão. esqueça as gravatas e os chapéus (especialmente os pretos e os brancos de faixa azul); segure este relógio das horas que ainda não vivemos; traz apenas tuas canetas, para desenhar, nestes brancos dias, o medo que se perdeu.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Há tempos não escrevo um verso.
As costelas têm me roubado os dias.

Há esse homem - Francisco - que teceu um
rastro de horizonte
em minhas mãos
(bem como costurou algumas
palavras
- e céus)

Pois que Francisco é dono de
muitos ventos e muitos vícios

E me jura ser impossível morrer
de amor
sob a urgência das
gaivotas.

E nele, vou-me embora.