segunda-feira, 30 de agosto de 2010

meu amor,

sinto muito por não confiar em você. etc, etc, etc: soa meu lado professoral, a campainha do recreio. a noite de botafogo se mostra repleta de assertivas; de onde nasce um homem, crescem palavras mal formadas. já reparou como o incêndio sempre começa pelas cortinas? aqui, a literatura é baixa, amor. o homem me liga. convida-me para sair. conversamos, disfarçamos, desarmamos, reinventamos biografias. volto discursiva para casa: essa história não tem narrador, essa história se conta em mapas e fuzis, metralhando realidade a vinte por hora. é possível parir delicadeza? você me fala em ética, eu ouço covardia. covardia em puxar os fios. no flamengo, já é natal - você não acha mais ridículo equilibrar uma situação já devassada? a ética das cortinas? no catete, me falta o ar - manchas, sutilezas. em uma folha branca, desenhei nosso planos: manteve-se a folha branca. estou nua nessa folha branca e me escondo sob as lâmpadas - tenho vergonha e medo. na glória, tudo é vermelho, da padaria aos motéis. vermelha sou eu, esvoaçando pelo recinto.

sábado, 28 de agosto de 2010

pedro, vamos combinar: não escrevemos mais músicas de amor. nessa casa, não se fala mais em encontros nem em desencontros.

trabalhamos com farsa comprimida. quando eu estiver em londres, a gente brinca de sofrer.
i dreamed i was a bird.

and as a bird i could fly anywhere,
any other sky, even yours.

and as a bird, a white bird that i was,
i would disappear into sun mazes
heat waves that hold me
now that i woke up.

sábado

provocar a realidade: me escondo atrás da porta quando ela chega e antes de deixar a casa, já fugi pela janela.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

dicionário

letícia

nascida no lado avesso da vida.

poema para você

me desfaço liquidamente em
folhas e nuvens
lembranças e palavras
gotas que
- vermelho a vermelho
escorrem sobre os labirintos do meu silêncio:
vestígios do seu corpo.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

daí, você me pergunta 'o que foi que eu fiz, o que foi que eu fiz para receber essas palavras secas?" e eu te digo, amigo, que teu erro foi o mesmo das outras vezes: ter falado demais.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Nelson:

ei...conta pra mim essa história dos elefantes brancos...


Me:

ah!

chegaram aqui...

uns elefantes brancos!

disseram que era presente.

não se recusa presente, não é?

aí eu botei todos eles na sala.

e estão, quietos. hoje brinquei de dar nomes a eles.

um se chama pedro, outro se chama realidade, outro se chama panela. panela furada.

vou iniciar uma revolução: calmamente, tranquilamente, sem alarde nem manchetes nas colunas sociais. vamos promover, eu e minha trupe militar, uma revolução na cidade. não terá um único objetivo (não somos fazedores de história, sinto muito) e como regra maior, fica livre o acesso ao àlcool, ao cigarro, aos pensamentos e ao vermelho-rubi. enviaremos elefantes brancos para a alfândega e traremos de volta gaivotas embebidas em nuvens. a eletricidade não nos interessa - o importante, mesmo, é a região abissal da praça paris, onde deitaremos no céu e pintaremos todas as cores das trivialidades.

domingo, 22 de agosto de 2010

foi me entregue hoje uma remessa de elefantes. todos brancos. como não sabia o que fazer com o pacote, coloquei-os na sala. ficou um bonito objeto de decoração: uma manada de elefantes brancos, uns com a tromba para cima, outros com as orelhas largas e um ou outro com o olhar cabisbaixo. mas na maior parte do dia, comportaram-se bem: mantiveram-se na sala, não fizeram barulho, sequer tomaram banho.

eu tenho um grupo de elefantes brancos na sala e até decidir o que farei com eles estão todos parados, olhando para mim.
uma das minhas habilidades de sobrevivência é a amnésia alcóolica.

sou absolutamente grata por não lembrar dos atos que eu teria me arrependido em minutos.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

[ susan miller previu um dia full of love, e eu ali, tentando de todas as formas evitar a sua presença no meu mundo cercado - ainda assim, não consegui, parei na maçaneta que você logo arrombou com gestos gentis e fala suave. dezesseis anos, à espera de mudança qualquer, de revolução que germine essa apatia e faça surgir qualquer supernova.

quase não me recordo da vida anterior - são anos e anos e anos de abuso de insônia, vinho barato e cigarros, além das leituras exageradas -, o antigo quarto parece tão distante, delírio de um mundo qualquer que veio parar aqui: eu sempre fui assim? ou foi apenas a sua influência? não consigo ser otimista, sinto muito; sapatear em cima de cadáveres nunca foi meu forte, exatamente. ]

as coisas que doem são minhas e tão somente minhas; não são devaneios nem castigos divinos, são dessas dores que carrego por me perder em sentimentos, sentimentos finos como a linha que traço no papel e que o professor de desenho reclama por não ter firmeza, a tal da firmeza dos experientes, dos praticantes. nesses dias não carrego nenhuma prática, apenas tentativas, marteladas, aliás, de ser qualquer coisa além; antes de ser mulher, qualquer matéria humana, qualquer ponto acima dos círculos de gravidade onde insisto em cair. o professor de desenho fala-me sobre texturas, grãos, matizes e tonalidades; cerdas de pincéis. pois no momento resido em tela preenchida, borrão sem criatividade. meu gato azul espreita, calado, à espera do momento exato para deitar-se cansado no colo; mas meu colo, também cansado, já fugiu para outro lugar.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

existiu um tempo onde, ao primeiro chamado, se corria mais que ventania arrancando os lençóis do varal; onde qualquer batalha merecia o esforço, onde atrás de qualquer árvore morava um segredo.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

do what you want, do what you need, i'm on the island of me.


nelo johann me ensina muitas coisas.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

ando sem paciência para elucubrações infantis: só quero saber dos círculos. os círculos da gravidade - onde eu caio e onde deixo de cair.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

mala

existe uma mala perdida em são paulo. perdida, não: esquecida, já que eu sei onde ela está - no canto da sala, encostada ao sofá -, com quem está - lucas, um dos poucos remanescentes elos com salvador - e onde - na consolação. o que mais incomoda não é a falta da mala (realmente, minhas melhores roupas estavam ali, assim como aquela sapatilha que tanto bem fazia aos pés), mas a presente inexistência da circunstância que levou ao esquecimento da mala.

depois que todos foram embora, restamos nus em são paulo. nus nos nomes, nas contas, nos calendários, nas canetas. não havia necessidade sequer de falar: as palavras já moravam em nossas mãos e com elas construímos estradas para lugar algum. não havia necessidade de promessas, porque saberíamos serem todas falsas - o signo da mentira deslavada não cabia debaixo daquela noite tão grande.

portanto, os relógios foram atrasados para a hora de partir; restou um choro seco. dentro, uma recaída infantil: o início de uma promessa - não fala, eu não quero saber. eu não estou aqui, eu não estou lá. o silêncio ainda é a minha melhor visão. a minha lágrima ainda é propriedade particular e será guardada no baú das trivialidades - aquele onde, por ora, guardei você também.

domingo, 15 de agosto de 2010

o problema do vinho barato é que a sensação provocada nunca vale mais de dez palavras.
são vinte para as seis e as árvores se revoltam contra o frio; apago as luzes - i was feeling down when you said hey, hello -; quando só há a fumaça do parliament (voltar a fumar é das melhores sensações da história) tudo volta a fazer sentido: o vinho barato, o chão largado, o tapete vermelho, o sussurro daquele som ligado sem parar e o teto que cresce até desaparecer dos olhos.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

num dia qualquer desses, você há de bater à minha porta e todas as minhas palavras - antes recobertas em lágrimas, escondendo-se sorrateiramente pelas esquinas dos meus cabelos - vão sair às ruas, alegres de serem palavra novamente, alegres de não mais viverem escondidas, e o verde dos seus olhos vai virar folha e cair, suavemente, sobre a rua, como um tapete no outono, lembrando que a primavera ainda está por vir.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

yoga

uma lágrima correu e fernanda a ignorou: pensou ser suor. juntou as palmas das mãos e recomeçou o mantra da paz: paz universal, paz para todos. a lágrima caiu mais forte. seguiu-se a outra e a outra e a outra: fernanda irrompeu em um desespero profundo, gritante. o professor veio em socorro e fernanda não teve coragem de dizer: não sinto paz; não posso desejar paz a ninguém. (arrancaram meu braço, meu útero, minha perna). saiu da sala alegando apendicite (doença de família).

debaixo de água fernanda tem ódio, dele que me entregou destroços, que agora mente e inventa um luto qualquer de quarta-feira ao meio-dia: não foi você quem tornou-se vazio. a dor que acelera as minhas paredes na madrugada não corre nas suas veias brutas, correm sobre meu sono, que tornou-se incômodo. que tornou-se choro de um nada. vela de sete dias de um nada. arranco de segunda o carro já quebrado - para um destino nada.

fernanda, que ainda preservava escondida na primeira gaveta da cômoda do quarto uma vermelha inocência, chegou em casa e deitou sobre as roupas desencontradas pelo chão.

o teu nome é veneno, veneno covarde em pedra-bruta. fernanda chorou.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

vem,
vou te contar a melhor história do mundo:
aquela escrita em
ramagens.
dizem por aí
que foi
minha lua em virgem
quem me deixou assim.

prefiro acreditar
que foram
os muros
as poças
as facas

e os malditos isqueiros
sempre escorrendo
pelos cantos sujos
da minha boca.
deito no sofá
e sonho com barafundas mudanças
pontos de cruz nas paredes da sala
um quadro enorme de rimbaud na cozinha
que diga:
o mar hoje criou onda no meu quintal
e mapas debaixo das cadeiras,
escritos em azul:
venha, já não há nada que possa
nos impedir.
desligo as luzes
uma por uma, os dedos brincam
de solitude à meia-luz
e nos deslizamos
e nos carregamos
e nos esquecemos
das contas de amanhã.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

assim mesmo, como dia seguindo dia, como talheres que reaparecem nas gavetas e tal qual janela da sala que fecha quando sente cheiro da chuva, essas páginas vão passar adiante. o vento vai deixar de carregar teu nome por aí, minhas trivialidades vão procurar outra cadeira para sentar-se e no café victoria, em bruxelas, haverá risadas, fumaças com gosto de blues, alguns chutes na cadeira e uma manhã que nascerá sem relógios.
esse poema
escondi debaixo da cama para que você nunca visse.

domingo, 8 de agosto de 2010

tempestade varre o que a ressaca não curou.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

cansei do caos e
seus verbos mal resolvidos:
uma passagem só de ida, senhor.

meu saxofone e eu iremos passear pelas velhas calçadas de parati.

waiting for the sun

a primeira vez que ouvi falar em the doors foi pelos ouvidos de um irmão mais velho: toma, você gosta de nirvana, escuta isso para entender o que é rock n' roll. era o clássico show em L.A. (disco duplo, capa preta, encarte magnífico).

eu, uma menina batizada em beatles e tom jobim, recém-sugada para o universo das camisas de flanela e da rebeldia maior que a barriga, fiquei extasiada. trocava o primeiro pelo segundo o primeiro pelo segundo o primeiro - até dormir, ao lado de jim morrison, ray manzarek, robby krieger e john densmore. o que eram aqueles teclados? por quê não conseguia parar de mexer os dedos, as pernas? não havia mais paredes nem janelas nem boundries only abyss and canyons.

ouvir roadhouse blues pela primeira vez é segurar, com ambas as mãos, dedos fechados, o êxtase. o bliss. o máximo aonde o ser humano pode chegar com sua criatividade limitada - é o doors.

ano passado, no festival do rio, consegui, na surdina, adentrar a sessão lotada de 'when you're a strange - a film about the doors'. pela violenta trajetória e o absurdo som - que banda alguma conseguiu reproduzir ou dar seqüência depois -, os doors já renderam um emaranhado de livros & filmes & artigos. sempre envoltos no fog misterioso de 'jim morrison, o santo-poeta-cineasta-beat'.

mas esse documentário não se apóia no insuportável culto ao lizzard king - o filme percorre a trajetória da banda e ponto. resgata as imagens dos dois documentários produzidos por morrison durante 65-72 e fotos incríveis dos acervos da família doors.

um ano depois, vim a descobrir que o filme foi baseado em um livro que somente ontem chegou ao brasil - the doors por the doors. custa sessenta reais, é um calhamaço de quinhentas páginas e mais de duzentas imagens pessoais. mas qual a diferença dele para os outros, você me pergunta. o narrador. os narradores, aliás.

the doors por the doors é todo baseado em entrevistas realizadas por um jornalista da rolling stone ao longo de quarenta anos. estão lá jim, ray, robby e john SPEAKING FOR THEMSELVES. a banda sempre prezou a idéia de comunidade - as letras eram assinadas pelos doors, e não por lennon/mccartney, digamos assim. os royalties eram divididos igualmente. e ninguém exigia nada do companheiro ao lado - um terrível gerador de culpa nos anos pós-1960, let's put it that way.

enfim. tudo isso é para dizer que the doors sobrevive. aqui e sempre.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

matéria:

fábula bruta
na manhã de quarta-feira
despertando vicissitudes
pelos corredores.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

não adianta você vir com flores brancas, em falsas promessas de paz silenciosa
- o meu caos vem com a rebentação
e com aquela lembrança tua de ser esquecido
na fechadura do quarto
enquanto teus pais dançavam e riam na sala
(você era uma criança,
e a crianças não é dado o privilégio
de desamarrar-se)
as águas que por aqui passaram
lavaram as memórias
arranhadas e rasgadas
de um encontro almost wide
and almost open

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

preciso cegar para não assistir
ao doce resvalar da madrugada
sobre meus pés.

também preciso ensurdecer durante o sono
para não ouvir o veneno de seus dedos escorrendo
sobre as minhas
lembranças.

enfim.
enquanto o céu desaba minha voz
verdes cortinas de linho
- minha infância em cores -
trafegam pelas ruas de laranjeiras
contando histórias de dormir.

my dear cecília

ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!

ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

é uma grande pena que não se possa estar
ao mesmo tempo nos dois lugares!

ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

ou isto ou aquilo, ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.

mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

domingo, 1 de agosto de 2010

meu querido tom

meu preto velho adorado prefere o vinicius, o poetinha. minha mãe se derrete à voz fanha de joão gilberto. tem quem se esmoreça aos primeiros acordes de chico buarque - mas aqui, nessa fortaleza de santa teresa, o rei se chama antonio carlos jobim.

no jornaleco da manhã, uma reportagem sobre a eterna influência do maestro no cinema internacional pôs o volume para o máximo em tom & miúcha, edu lobo & tom jobim, tom & elis. o piano e as vozes (inclusive a deliciosa voz bêbada e torta de tom). os arranjos delicados, sofisticados, espirando thelonious monk, art pepper, chet baker mas também gershwin, cole porter e villa-lobos.

meu amor, juro por deus, me sinto incendiar.
a história reclama de seus detratores e nunca está completa;
falta sempre uma certidão, uma palavra desdita ou ainda mais: inconsequente.
pois palavra inconsequente é refúgio de personagem barroco
(cego de realidade)
pago à vista minhas apostas com o destino, o menino me contou
em um vendaval de sábado
e eu que pensei exageros embalados à vácuo, respondi.