quarta-feira, 30 de junho de 2010

solidão é ser feliz às quartas-feiras.

bilhete de viagem

de: m.
para: g.

eu sei que está tudo bem contigo e eu tento não me incomodar, mas tem uma dorzinha aqui no peito, criada na saudade de organizar revoadas de estrelas no seu deserto.

diário de viagem

life floats as one walks across the universe.

terça-feira, 29 de junho de 2010

(anotado em um guardanapo)

meu amor, como nós atropelamos a vida!

diário de viagem

(em alto-mar)

my beloved,

escrevo desse distante, já sem bússola (mas a lua apareceu nesse céu tingido de preto e parece que irá me guiar até a terra mais próxima). aqui em alto-mar fazem 17º; o oceano está calmo agora, apesar de hoje à tarde termos batalhado contra algumas tempestades. (numa dessas, pensei até que fosse virar!) o rádio está quebrado - estou sem qualquer comunicação com o mundo real; havia desejado tanto isso antes, quando ainda estava em terra, e agora, conviver com o silêncio é engraçado (ele é um companheiro bem atento). para distraí-lo de seu notável mau-humor, ligo o rádio a pilha (graças pelas fábricas não terem acabado de fabricar essas belezuras!) e coloco um disco que há muito tempo você me deu (lembra?); chama-se Rowdy Seagulls.

de todas as músicas, me surpreendi apenas com uma: como você poderia imaginar que Perfect Day deixou uma cicatriz no meu ombro esquerdo? nos dias em alto-mar que fazem sol, desço à cozinha do meu querido navio e pego uma garrafa de vinho, tiro a roupa e deito na proa, imaginando que todo o mundo depende apenas da revelia dos peixes e seus horizontes, e ouço Lou Reed me dizendo baixinho "is such a perfect day, i'm glad i spent it with you, you just keep me hanging on", e me lembro de todos os seus torpores, dos seus dias e das suas noites, dos seus olhos e dos seus abraços; lembro também de olhar distraidamente para as suas estrelas e pensar (bem baixinho, para parede sequer ouvir): "you are warm as happiness". You smell like Lou Reed's songs. But I bet you know that.

no mais, sigo rumando sem direção certa (agora, estamos navegando a E 22o 24o 40o), mas a qualquer momento que você queira dividir uma taça de vinho e visitar o barco (está um tanto quanto bagunçado e cheira a baleias de Hemingway), consultarei minha bússola e iremos, eu e Lou Reed, te seqüestrar e te mostrar como é lindo o pôr-do-sol a bombordo.

um beijo de marinheira,

m.

domingo, 27 de junho de 2010

diário de viagem

(entre são paulo e santos)

a nostalgia é meu veneno anti-monogamia.

diário de viagem

"o mais difícil de ser poeta é não cortar os cabelos: não sair por aí a cada crise versal (provocada, momentos antes, por gotinhas de existencialismo dropping out of the sun), recortando a aparência na esperança vã de surgir um alguém novo da cadeira do cabelereiro. a arte de não ceifar a barriga quando dali não vai sair nada mesmo, nem pleonasmo nem crase nem antítese quanto mais golias saracoteando contra os davis da vida (as nossas memórias ressecadas, diga-se de passagem)."

na porta da rua augusta, manuela, a escritora em trânsito, achou os travestis da lapa mais bonitos (mais harmoniosos, o silicone é a mesma merda derramando pelos tops coladérrimos, mas as cariocas têm menos pêlos) e os labirintos paulistas mais arredios (é mais fácil se achar no rio de janeiro). cogitou entrar em uma dessas casas de molecas safadas da noite, para ver se conseguia algum dinheiro fácil, mas a coragem inicial virou vergonha três minutos e vinte segundos depois.

na descida para a consolação, pensou ter visto os cabelos ruivos de g., e apressou as botas: subiu um sangue à garganta. o que a intrigava não era saber onde ele havia estado todos esses anos ou por que (uma razão, apenas uma!) havia desaparecido da vida da escritora instável, mas uma curiosidade mórbida, uma nostalgia atrofiada, um apreço pela memória desandada: como é que ele está? (será que ficou muito fodido ao perceber que eu não estava lá?) manuela desceu são paulo a passos largos. não era ele. sem problemas: vamos dar uma volta em vila madalena, ali pela cardeal arcoverde.

quando o metrô abriu - quatro e quarenta da manhã -, manuela anotou no seu caderninho: são paulo não me ensina a fazer poesia.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

de passagem

(né por nada, não, mas a realidade só existe para ser desmentida.)

quarta-feira, 23 de junho de 2010

manuela está de ressaca e planeja desaparecer por alguns dias - trinta, pelo menos.

até a volta.

dear nathalie,

ando morrendo de medo: medo de me perder no marinho e depois me encontrar perdida na estrada. recuo, como atriz já desgastada do palco. sinto tonturas estranhas, falta de equilíbrio, um sono que não passa nunca. i could sleep for thousand years - a thousand dreams that wouldn't wake me.

estou precisando mesmo viajar: imagina o outono carioca ao descobrir my dark secret? WATCH OUT: they won't forgive me. vou ter de fugir, pedir asilo à mansão de três andares no brooklyn. sinto uma ardência estranha no ventre. o baixo gávea anda tão down, tão low, super low, que até queria voltar a desenhar: posso pintar um quadro seu? prometo que não estrago teus olhos de chuva.

i'm lost so goddamn lost: persigo a faculdade de história? começo uma pós-graduação em tradução literária inglesa? ou me caso com um herdeiro rico de ipanema? você - imagino perfeitamente a cena -, vai passar os dedos no cabelo loiro platinado, empurrando-os atrás das orelhas e insinuar um "olha…". ok, my dear, i get it: it's up to you, new york, new york. susan miller previu um junho maravilhoso - ainda estou à espera. estou. a esperar, mesmo. da minha janela, avisto um navio prestes a zarpar: olha o meu medo se instaurando mais uma vez, repetindo "cuidado, é preciso cuidado com amores de antemão, que prometem cuidado e entregam lembranças". agora estou sozinha na produtora - nem sinal de silêncio, contudo.

para você: estou usando os cabelos presos e repartidos ao meio, uma blusinha meio demodé cinza, caída em longa cauda, uma calça preta e uma blusa black de quadrados azuis e brancos. all the same, as you might say. a verdade é: as estradas nos perpassam, enquanto nós ficamos brincando de inventar o infinito. nathalie, abre essa sua porta, anda até a rua na frente da tua casa de tijolos vermelhos e sente o vento quente da noite dos estados unidos da américa: sou eu te abraçando, minha amiga. deveríamos fazer isso mais vezes: contar nossos segredos e despudores. você casou mesmo, de verdade?


luv, luv, luv, always,

m.

terça-feira, 22 de junho de 2010

dias chuvosos e solidão
sem cigarro a noite escorre adentro
scared of thunders - can you hold me, babe?
olha,
o ministério da saúde adverte:
o medo é prejudicial aos vícios
aos ofícios, aos lençóis e às promessas de -
vou te contar, os olhos já não podem ver
o cheiro de água invadindo minha sala
levando com o marinho os livros, os discos, os brincos quebrados
para surgir, através do espelho
uma outra mulher
folheada em versos
proseando pelas ruas da gávea
walking on the wild side.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

há, decerto, uma calmaria: consegue escutar aqueles poucos passos, lá ao fundo das cortinas? talvez seja um horizonte futuro se anunciando, cantarolando lou reed em tardes furtivas. o certo é: criamos essa bolha, louca, metamorfa, prosada em versos e descortinada em manhãs, onde existe apenas o que desejamos que exista.

queremos azul? o azul existe. queremos relógios? criamos o tempo. queremos confetes? o universo poderia caber em seus lábios - e o trafegar das nuvens é lento, cordial e amistoso.

para registro futuro:

(nesse bilhete marmelo endereçado a janelas distantes)

o maior amor do mundo se esconde atrás de lilazes e gaivotas e dissipa desejo através de palavras e abraços.

domingo, 20 de junho de 2010

quando o portão abriu, respirar estava difícil: em um entorno de medo e vergonha - por ter olhos tão grandes, sorrisos amarelos, mãos, expectativas, perguntas, tantas perguntas. queria saber tudo. mas sem incomodar. sem provocar amargor - seria possível? assim, como quem pede desculpas, sentei-me no sofá, olhares na linha do chão, o que fazer diante do tanto? eram curvas que se me apresentavam ali: curvas de um passado sobre o qual navegar, curvas na memória, curvas de amor & desamor, curvas de tempo perdido e passado. falamos de manoel de barros, de godard, de manuel bandeira, rimos um tanto aqui e outro ali, dos homens que jamais deixam de ser meninos, das meninas que invadem e tornam-se mulheres à revelia de quem vê, de moças cariocas-inglesas. restou a sensação de tempo que nunca vivi: mas está aqui, agora, preso nos meus dedos, sem escapar.

sábado, 19 de junho de 2010

as lou reed used to say

jesus, help me find my proper place
jesus, help in my weakness
'cause i'm falling out of grace.
uma sensação de farsa mesmo, sem qualquer contato com a realidade nem com a moral; a intenção, aqui, é apenas fazer rir. abram as cortinas, ladies and gentlemen! the show is about to begin!

na superfície das águas, o que resta, então, não é qualquer sentimento prévio, mas a confluência de interesses - sem preocupações com os alhures.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

soprou o vento, soprou, caiu o desencanto, o vento levou para longe, branco, tão branco, sorriso pálido em retalhos de tecido, aonde foi parar o resto de chão, aquelas pedrinhas miúdas, que rolavam para trás e para frente, trazendo uns erros do passado que só, aquele fio d'água esmiuçando um céu alaranjado, de dia prestes a começar, mas só restaram as tintas, secas, mofadas e sem memória. o dia em que a civilização acabou: o dia em que as tintas amanheceram sem memória.
assim, como chuva que seca depois do vendaval:
não acredito mais em nada.

quanto mais em memórias (arredias) de amor.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

inutilidade

três horas da tarde
uma placa na porta de casa avisa:
o surfista prateado, coberto em parafina & sinceridades
já não mora mais aqui.
ontem, em uma festa
estava muito azul (para variar)
- até derramei veneno às costas
a noite (muy muy amarilla) trazia vãos, corredores
taças vazias, conversas díspares
- onde você vai?
(acho que ouvi sua voz ao fundo)
mas já estava longe
como trilha ruim de filme b: delineando, delineando…
sem nenhuma finalidade.
virei-me para o lado e beijei o primeiro que vi:
tinha gosto de sonho.
as palavras arrancam
sem nem olhar o sinal vermelho
- faz quanto tempo que você
não me escreve de verdade?
cheio de si e adjetivos
querendo tão somente morrer
nos meus lençóis
não sei dar nome a esse vento
que abraça
em busca de ponto com nó
(em uma dessas, avermelhou o dedo).

quarta-feira, 16 de junho de 2010

lembra?

quando nós deitávamos - três crianças - no chão do quarto, tapete branco, estendido, liso, sobre a noite e a brincadeira era assim: cada um começa com um sonho que teve. tem que ser real, não pode ser inventado, hein? deitados, cachos e cachos esparramados, íamos completando os nossos sonhos, escorrendo realidade ralo abaixo. falávamos de tubarões, vitórias-regias, plásticos que viravam gente, pássaros - tantos pássaros voamos - e a tal-da-onda-perfeita que sempre aparecia, bem como nossos céus. éramos o céu.

ontem, passou na televisão um filme delicado, em que pessoas dedilhavam o céu com escadas imensas. mas engraçado: teve época em que para virar avião, só se precisava de um chão branco.

terça-feira, 15 de junho de 2010

lost in translation

no meu tempo de garota
minha mãe me disse:
você deve ser uma dançarina.

e eu lembro desse pensamento que me atravessou:
eu vou dançar com o mar
ao lado do vento
dentro da noite.

no meu tempo de rebelde
folhas despedaçadas por meninos domesticados
meu pai dizia:
cuidado com a solidão.
é preciso ser doce,
com íris onduladas
rios derretidos
e sonhos que flutuam.

e eu lembro de uma noite que me atravessou
perdida no êxtase de qualquer alguém
o céu transformara-se em
palavras.
nunca estive tão azul, creio.

mas agora,
agora que sou neblina
invadindo as ruas,
em direção às árvores selvagens de um julho tão calmo
eu digo:
eu vou dançar.
eu vou dançar com a alvorada solitária
em meu vermelho, muito vermelho
salão de baile.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

when i was a little girl
my mother told me:
you shall be a dancer.

and i remember this particular thought:
i will dance by the wind
with the sea
into the night.

when i was a rebel
leaves shattered by broken boys
my father used to say:
watch out for loneliness.
you must be kind,
wavy eyes,
melted rivers and
floating dreams.

and i remember this particular night
lost in someonelse's bliss
when sky fell off into
words.
never been so blue, i guess.

but now,
now that i am a smog,
across the streets,
towards wild trees in plain July,
i say:
i will dance.
i will dance with the lonesome dawn
in my red red red
ballroom.

this is for you

i walk around clouds, among seagulls, towards our infinite blue.

(em construção)

às vezes fico bem quieta
ouvindo a água escorrer do teto.

velejo sutilmente.

barco à deriva entre sereias de papel, gatos de green eyes wide open e gaivotas
(seagulls).
além dos nós dos (seus) cabelos e dos (meus) sonhos.

a tarde cai.

com ela, o maremoto
cessa.

domingo, 13 de junho de 2010

do texto que perdi, sobrou:

... esperou o mar serena: uma onda invadiu o ontem, outra inundou o passar dos dias: manuela navegou entre jornais antigos, fotos encardidas, cartas roubadas e chaves de outros terrenos por onde havia pisado. o calendário desapareceu, esmoreceu diante da tempestade de areia; manuela estava here, there, everywhere.

marina, não tenho qualquer desculpa para lhe procurar. minha mãe não morreu, não faço idéia de onde esteja nossa professora e para falar a verdade, começo a esquecer os rostos de quem fazia parte de nossa turma. mas lembro de você, dos seus cachos, do ódio avançado contra quem lhe deu esse nome - a maldição de dorival caymmi, você dizia. você estava na minha formatura? claro que estava. marina, que medo me dá diante da possibilidade de te esquecer! não me interessa a vida agora (se você quiser, posso dissertar um tanto sobre casamentos, filhos, IPTUs e organizações de abajoures), mas aquele senhor que vendia balas diante da escola, ele que morreu alguns anos depois que saímos. marina, seu sorriso continua o mesmo? você ainda troca os vês pelos efes?

dear marina, did jesus save you?

do betinho

saudade é não ter você amanhã.
tanto a se fazer: a azul me manda um e-mail "prezada senhora, favor fazer o check-in do seu vôo amanhã", e quem disse que eu lembrava da passagem comprada para salvador? ivam, meu doce ivam, estou em falta com você, não é? dan, eu prometo que responderei aos seus e-mails. não é birra, são as palavras que arrancam sem nem olhar para o sinal fechado. estou chegando, paulo, e prometo que vamos navegar por esses horizontes até perdermos as manhãs em um areal qualquer. tanto a se fazer: mais uma vez, a luz da sala quebrou. adiantou chamar o eletricista? mas quem precisa ver alguma coisa? (é preciso força para sonhar.) a lista de "a ler" vai se acumulando: henry miller, james joyce, cecília meirelles, amos gitai, pablo neruda. todos me olham, desconfiados, ariscos, já desistindo de pedir por atenção. minhas tintas, meus pincéis, minhas telas, meus tecidos: que saudade de vocês. a coordenadora do curso em londres me manda um e-mail: aren't you going to submit? oh, madam, i'm so sorry! i don't know! i haven't got a clue! can i speak to you tomorrow? some useless man came to my house and ran away with my blue-purple box; do you know what was inside? MY PRECIOUS TIME!


seis meses desse ano já se passaram and i haven't got a clue.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

direto da inglaterra

honey pie you are making me crazy
i'm in love but I'm lazy
so won't you please come home.

oh, honey pie you are driving me frantic
sail across the Atlantic
to be where you belong.

honey pie, come back to me.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

querida b.,

nossos tempos não são sutis. não são delicados: eles atropelam nosso silêncio. tentamos dormir, mas eles forçam a entrada [ em verdade, não exatamente forçam: demos a eles a cópia das chaves ]. prostrada diante de um muro (verde), imagino uma saída - fugir? desistir? esmorecer? quando não mais conseguimos navegar, diante de tantos pontos e vírgulas, muito menos atracar os barcos, já que os portos não são seguros, o impasse transforma-se em calendário - o seguir rotineiro dos dias. o mais estranho é termos seguido todas as regras à moda da casa: meninas honestas, bem criadas, alimentadas corretamente e repletas de dedos nas mãos. (o esforço se mostrou inútil: a casa muda suas próprias regras).

tento, então, fechar os olhos. eis que a campainha soa: eis um homem, muito bem vestido, paletó bem cortado, que sabe falar ao menos sete línguas e traz consigo as últimas novidades de paris; eis um homem bem sucedido. tenta vender-me uma mala, digo que não tenho para onde ir; tenta vender-me um tapete, digo que não tenho sequer um chão; tenta estender-me uma mão, digo que não mais tenho braços. ao fim, já cansado, estende-me uma placa: estacione aqui. e se vai, levando as cortinas.

b., ao cabo e ao fim, lembremos sempre: começar pelas médias, depois para pequenas e por fim, as grandes.

dicionário

sparkle


arrepios de letras
na ponta dos lábios.
your words
arms
waves
mouth
bubbles
and drops of sunlight
- they sparkle stars
in my violet sky.

terça-feira, 8 de junho de 2010

- ah, agora eu entendi. (alice sorri). entendi o e-mail bêbado, as frases mal dispostas, a raiva calada desses dias. nada vem por acaso. essa máquina de escrever torta, ainda se equilibra em promessas de porcelana. nessa casa, (alice revira os olhos) a lição foi sempre a mesma: não acreditar em superlativos. não existe o maior, existem as circunstâncias; mas ah, alice suspira, já são quase uma da manhã e na quinta-feira há muito que ser feito, responsabilidades despejadas, encontros e desencontros, arrumações de armários e todas as mortes que uma quinta-feira impõe.

- não há mais castelos, nem mesmo os de areia, honey-pie. se procurar bem, (alice olha para a esquerda, como quem completa em silêncio 'mas não vai adiantar'), há algumas cartas espalhadas pelo chão - seria sua essa caligrafia? -, sementes de uvas, alguns lençóis em azul. não tenho nada com eles. tome, são seus se os quiser.

- (alice, em velha mania, coloca o pulso direito rente à orelha) não há entreatos: há palavras mal ditas. e não, eu não quero mais ser sua puta. taí, eu fiz tudo para você gostar, fui mulher-vulgar, meia-bruxa, meia-fera: ana cristina, conhece? tantos poemas que perdi. (alice olha para baixo e repete, silenciosamente) tantos poemas que perdi.
o que eu peço é apenas uma janela.

(não para me esconder
nem para empurrar lembranças afora
talvez fosse para avistar gaivotas -
mas não:
sequer seria para esfriar as dores
ou transformar palavras em uísque
quem sabe de moldura nascer
máquina de escrever, noite adentro, noite fria adentro
mas não.)

quero uma janela para firmar
suas mãos no meu rosto
para quando você virar à esquerda
o molde tomar corpo
e flutuar pela sala.

rápidas considerações

(estou de passagem e não quero gastar o tempo dos senhores com conversas vãs)

. o escritor fantasma, o novo do polanski, é um remake sem charme de chinatown. um cara que se acha malandrinho é contratado para um trabalho menor que esconde uma trama política cheia de intrigas e no centro de tudo, uma mulher fatal e ambiciosa. desculpem, mas jack nicholson & faye dunaway são imbatíveis. e vamos combinar que roteiros escritos por jornalistas da BBC sobre grandes intrigas envolvendo grandes personagens da BBC são ZZZZzzzzzzzzzzzZZZZ

. whatever works é sanduíche requentado do woody allen.

. mary & max é um primor: pelo roteiro, pela animação, pela trilha sonora, pela narração deliciosa. um aviso: não é filme para quem acha a vida bela & a flor amarela. os personagens são losers, mas LOSERS MESMO, do tipo que são abusados pelos pai e nunca tiveram um relacionamento saudável na vida.

. o que resta do tempo é um exemplo raro de filme lúcido - sem ser chato - sobre a posição das famílias árabes que decidiram ficar em israel. delineia a história e firma um ponto de vista sutil e delicado sem ser irritantemente panfletário. (apesar de que algumas pessoas saíram da sala revoltadas. too bad for them).

. alguém, por favor, tire ilha do medo de cartaz. vergonha alheia pelo scorsese. ele não merece isso.

. mother ainda está em cartaz, assim como pernassus. eu, se fosse você, matava a família e ia ao cinema.

por que ver parnassus

você pode me afirmar - com bastante pertinência, aliás -, que não vai pagar para ver mais um filme estranho e bizarro do terry gilliam, especialmente um filme em que o ator principal morreu no meio das filmagens. você pode me perguntar ainda (essa já sem tanta pertinência) qual a graça em assistir uma fábula se ela não está em 3d. e por último, você pode sorrir e simplesmente argumentar que o roteiro de parnassus não tem pé nem cabeça e tem mais buracos que a uruguaiana.

e eu respondo: honey-pie, nada disso importa.

n ão importa porque parnassus não quer fazer sentido - e que maravilha é quando gilliam aparece nas nossas vidas não querendo fazer sentido! existem diretores que dizem não querer fazer sentido - mas ficam profundamento irritados se você não os leva a sério. gilliam é mágica, é fábula - é toda a vida que você gostaria de ter e não tem. (tipo quando você tem treze anos e quer que seus pais morram).

não seria absolutamente incrível poder viver em um mundo comandado pela imaginação? sem contas a pagar, sem documentos a serem autenticados, sem frustrações - apenas escadas gigantescas rumando ao céu, pula-pula em forma de vitória-régia e nuvens lilazes. todos os seus mais loucos sonhos (lembra daquele em que havia um plástico-bolha gigantesco cor de rosa neón?) acessíveis do outro lado do espelho.

mas aí, você - novamente, bastante sagaz - completa: onde está a tragédia? gilliam é o homem dos finais absurdos! e eu te respondo: a tragédia, meu amigo, está em não poder viver a vida dentro do imaginarium.

(nunca gilliam foi tão cruel.)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

saudade cresce e se espalha no quintal, invade a sala, corrói os livros, mata o gato branco.

fica só o rastro das palavras carcomidas, manchando o puído chão da sala: saudade de dormir sem frio. e manuela se encolhe.

[ o avião em que ele a havia colocado, rumo a uma cidade cinza e nebulosa. recebeu na volta, de braços abertos, uma outra mulher. ]

domingo, 6 de junho de 2010

versinho rimado (e cafona)

te amar é quase uma questão existencial:
mas como dizem por aí,
eu não sei amar pela metade
não sonho sem balão
e não recuso beijos roubados
em uma tarde de verão.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

por outro lado

dava um braço para ter escrito:

dessa coisa que mete medo
pela sua grandeza
não sou o único culpado
disso eu tenho a certeza

frases boas de músicas nem tanto assim

eu levo a sério e você disfarça.

*

há sempre uma sombra em meu sorriso.

*

rir de tudo é desespero.

*

caberá só a mim esquecer - e eu vou sobreviver.

*

alguma coisa está fora da ordem.
uma rosa, sim, é feita do asfalto, mas também vem da lama e dos monstros e das facas afiadas que cerram a madrugada quando alguém bate à porta ou quando, no meio do beijo, toca o telefone. ontem à noite, aqui em casa, houve uma festa, uma festa muito bonita, com pessoas até bastante interessantes, que debaixo das estrelas tentavam parecer ainda mais interessantes, sabe do que estou falando? dos erres e dos efes, dos desamores analisados, das contas de luz e das empresas de petróleo, de quem lê o jornal e se acha absolutamente maravilhado com tudo - mas ei, você está VENDO a noite lá fora? vamos dar um passeio, venha, aperte a minha mão, que eu te levo para conhecer um recanto muy muy hermoso no leme, no início da praia, vamos de bicicleta, vamos no perder, venha, vamos nos perder nesse beijo tão de outrora, vamos nos perder na tarde que cai, pois que a vida inteira está organizada e cheia de notas fiscais, anda, a hora urge, e daqui de dentro eu só vejo uma nuvem que cresce e passa e invade, uma neblina tomando conta de tudo, um fog, um verdadeiro fog, trazendo o chá das cinco para todos que nos esperam - qual foi a sua desculpa mesmo, essa vez?
há um poema embaixo da escada. vai deixá-lo esperando?

*

sonhei que havia voltado para o apartamento de laranjeiras e ele se esparramava pelo chão.

*

por quê tomar estricnina? sua vida não está organizada pelos próximos quarenta anos?

*

é óbvio que clara tem medo: medo de pessoas que lêem o jornal todos os dias. e acreditam em todas as linhas.

*

solitude com gosto de blues, cara de blues, focinho de blues - mas na hora de provar era fumaça requentada.

*

sigo afirmando: é preciso cuidado, menina, muito cuidado com egoísmo travestido de proteção.

*

o passado nos espreita. em cartas antigas, fotos mal tiradas e pior, em convicções que não mudam.

*

veja, eu continuo a mesma menininha de cinco anos atrás, ela sorriu. ainda acredito em amores e gaivotas.

*

eu também, ana, não sei falar sem ser balbuciando delicadezas.