domingo, 22 de dezembro de 2013

(para um dois mil e catarse)

esse foi o ano dos navegadores. este foi o ano do: o quanto foi difícil escrever um verso quando incorremos sem coordenadas geográficas. e cá estamos, entre nancy sinatra e as novas emoções. entre todos os amores que não entendemos; talvez esse tenha sido o ano dos amores que não anunciam presença. sem qualquer tipo de estrondo, sentam-se e esvaziam os bolsos: crescem luas, flores antigas, porcelana, rabiscos num papel, o cheiro da terra depois de ser pisada pela chuva, pela mãe, por uma paixão qualquer. ano trampolim, a metáfora do salto e esses arremates baratos; o impulso do pulo tomado por um sopro, sabe-se lá da onde, talvez desta tão afamada porém nunca vista, terra do nunca. sopro este do parar. do ir mas talvez quem sabe. da falha do pára-quedas e já não há como voltar para o avião, digo, para dois mil e doze, porque o tempo é relativo e o calendário, bem, o calendário é tão ou mais vermelho quanto o coração. mas eis que o voo segue seu curso (normal?, não arriscaria a usar tamanha palavra); atravessamos, viramos uma folha desse dito calendário, fizemos das tripas, coração. ou do coração, a nossa atmosfera; plainamos seguros, ainda ofegantes do susto, da possibilidade da tragédia do salto. não fora nenhuma tragédia. ainda estamos perto do mar e há uma garrafa de vinho para ser aberta; construímos cidades e as ocupamos com homens, mulheres, areias e carnavais. as nossas cidades: essas às quais não sabemos nomear ainda. teremos todos os próximos anos para isso. desse ano, saímos um pouco tortos, um tanto assimétricos, com certo gás de decolagem. um foguete espacial, para os mais apressados. a terra um pouco mais segura abaixo dos pés, para outros. era noite; agora é dia e mais tarde será noite novamente: e assim abrigam-se os amores silenciosos e precisos, os braços longos e os copos cheios. ainda não é o fim nem o princípio do mundo: calma, é apenas um pouco tarde.

terça-feira, 9 de julho de 2013

isto não é um poema
isto é uma
oração
para que a bússola dos
teus dias
não esmoreça frente
ao surdo maremoto do
nada

segunda-feira, 1 de abril de 2013

nós

seis é o número natural que segue o cinco
e precede o sete

seis são os homens que subiram ao castelo

como seis foram os homens
que partiram o sonho

somente seis são as pedras

                         (que guardam inveja dos pássaros

e

embora não existam seis para serem nomeados

somente há um solstício

para chamares de
                          (absolutamente teu
                        
verão

quinta-feira, 14 de março de 2013

{2}

talvez pelo frio de são sebastião
talvez por ter voltado a fumar
talvez por esse anel inquieto no anular

talvez o pina (que me secou as palavras
talvez o azulzyness (propriedade do azul em se espalhar
talvez o ano, estranho esse (segue a rebentar

talvez por isso a insistência
nessa tempestade
crê (mais dia menos dia
seguir em alto mar

domingo, 10 de fevereiro de 2013

o segredo do mar aberto você
detém e conhece
todos os pássaros que vale a pena
conhecer

a oeste na direção do sol
preferimos as ondas

frágeis

enquanto lá fora os cães bailam
a melodia você
descobriu como parar de
chover

ainda é fevereiro

e as estrelas brilham convidativas
no golfo do méxico

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

escute lá
isto não é um filme
ainda que estejamos segurando facas
ou que hoje tenhamos ido comprar nossos
novos nomes
escute lá
as crianças que vêm vindo são
todas nossos amigos, vestidos
de vermelho ou de azul-carmim
(repito: cuidado, isto não é um filme)
e ainda que passeemos com o cão
a tarde vem e nos leva a
fumaça, a fortuna e a caixa de remédios
: da grávida que atravessa a rua,
jogamos um copo d'água [ era vidro
e dissemos: agora, falta apenas
assistir à água correr pelos azulejos do banheiro
poderíamos ter sorrido e dado as mãos, já que viemos
do mesmo substrato: das caixas de
sabão em pó
mas pela última vez, um aviso
não confunda
isto não é um filme
                [ não há ninguém lá fora.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

estar apaixonado é, em si
movimento pornográfico: observar uma pessoa
enquanto se aprende a voar
talvez a maior invenção dos homens tenha sido inventar que palavras carregam beleza. a palavra cão não morde, como já bem sabemos. de certa forma, diria, aprender o fato de ficar longe do fato de já estar meio que longe de tudo. encher as mãos de sal para construir a antuérpia: não te chama atenção estarmos sempre nos narrando? como não desconfiar de que tudo - a paisagem, o homem, o sentimento - é mera invenção narrativesca - e a quem pertenceria o comando desta narrativa?

a construção do poema como construção de uma, possível, vida. forma de vida. a poesia como via possível de salvação - não uma salvação ecumênica, mas salvação possível. há uma determinada hora em que tanta fragilidade cansa os calcanhares. posar de vítima, arrefecer, estremecer em azul & amarelo & vermelho. animal indefeso, esconder-se debaixo da sujeira das próprias unhas.

a literatura não dá conta dos fatos, mas da repercussão dos fatos sobre os indivíduos: como fazer palavra tornar-se vida e a vida, até então, relegada a segundo plano, ser além através da palavra? a palavra cão não morde, veja lá...

estou sobrevivendo. à chuva, à imundície (própria e dos outros) e às unhas azuis.

veja: veio o sol.