sexta-feira, 28 de novembro de 2008

era uma agradável e calma livraria. tarde de sábado, não muitos clientes, mas o suficiente para manter dois ou três atendentes acesos. no som, alguma cantora francesa de voz arrastada e longos olhos verdes. em uma hora e vinte minutos, o grande amigo de alice, joão eduardo, lançaria mais uma coletânea de contos; joão fazia isso quando estava curto de grana: juntava um punhado de papéis antigos, remodelava-os e os colocava à venda. cinqüenta anos de vida pública o davam o direito de fazê-lo. alice, a quem ele carinhosamente chamava de "rejuvenescimento osmótico", desprezava essas iniciativas. eram os reflexos dos vinte anos, o grande escritor dizia. depois, qualquer e toda ilusão fica no armário, escondido com as ombreiras e as chuvas do verão passado. ainda assim, ele exigia - pedia, aliás - a
presença da amiga. apesar de que alice detestava os olhares, de, no mais lisongeiro, não pertencimento àquela classe (que só aceitava membros acima dos quarenta e sete, veja bem), e escondia-se atrás da pilastras. de tempos em tempos, acenava para joão. no fim de todo o circo, bebiam com o dinheiro dos outros até amanhecer. alice folheava o novo romance policial de peter robinson quando o percebeu. ele ainda não a vira. era uma questão de instantes, ela sabia. a sua habilidade natural para o desastre não iria deixar tal situação ser esquecida pelo universo e preenchida por paredes sólidas - e imaginárias - que brotariam do solo. a infinita capacidade do ser humano de extrair palavras dos dentes mais doloridos. a capacidade de provocar terremotos com os dedos agiria mais uma vez. alice respirou. eternamente. folheeou uma página, outra. e quando levantou os olhos, o objeto estava parado à sua frente.
fazer passaporte; acertar visto; pagar seguro-saúde. recomeçar. procurar apartamentos. dividir com alguém. vender os móveis. guardar os livros - temporariamente - em salvador. o resto é tesão.

(por certo tempo, matei a minha sede de novidades pintando paredes e cortando o cabelo semana sim, semana não. sonhos são criados a cada instante; estava mestre na arte de deixá-los saltitar pela janela, com todos os papéis na mão. agora tenho bilhetes e não sei onde vão me levar. como ouvir 'who loves the sun' em um dia bonito e perceber que sim, faz sentido)
de repente, assim do nada, subiu uma dor lá do ventre, de pedir perdão até pelo que não fiz, de chorar e encontrar o fim do mundo, cinco suspiros não passam, três alívios não vieram, uma dor danada que só ela, dor de travar o peito. rezei forte pra não chorar. de medo.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

estou vendendo todos os móveis da sala, à exceção da estante.

geladeira, sofá, mesa de centro, poltrona. nada rasgado ou quebrado. pouco uso até, diga-se de passagem.

aos interessados: leticia.c.simoes@gmail.com

terça-feira, 25 de novembro de 2008

"decidi ir embora, largar tudo, arrumar as coisas; só o necessário. documentos. au revoir."

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Lima é uma cidade estranha. Quente. Do avião, pude ver as montanhas; da janela, parece que há uma fumaça responsável por inebriar as pessoas. Estou quase no fim de P. Robinson, com disposição - se não dormir no meio da tarde - consigo saber quem matou a garota. A comida é apimentada, arde a boca, mas não queima. Tenho tido sonhos estranhos, com túneis e passagens, além de uma montanha rosa. Quando sái hoje pela manhã, comprei um desses lenços coloridos para se proteger do sol. A tontura subiu à cabeça em dez minutos.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

eduardo,

só queria dizer, antes de ir embora, que acreditei em você até o último segundo. ainda estou acreditando, no momento dessa respiração. mas se você escolheu desistir, sinto muito. essa experiência estranha me impele a continuar; imagino um mundo de belas orquestras, douradas, fulgurantes, não magro e esquálido como aquele gato de rua que adotamos. você e sua eterna comparação entre o mundo e os gatos; "resistem a qualquer coisa, qualquer pulo, enfiam-se embaixo de armários, caminhões, dormem além da conta na hora errada e estão acordados quando ninguém os quer". sabe? sempre achei suas metáforas ruins. mas quando não consigo dormir, tenho saudade do seu jazz, da bossa legal que você levava contigo quando queria. talvez, talvez. a gente vive de incertezas, e esse era o seu ódio, não? fazer o que não queria, quando era tão simples. mas era tudo ou nada; se for para ganhar, havia de ser do seu jeito. e bem, você sabe. o céu fala por todos nós. sabe que nunca consegui passar da página cinco de morte em veneza? agora, já desisti; enterrei, joguei fora. não vou precisar. prefiro viver a experiência traumática de assistir ao ser em evolução. não era isso? estarei sempre aqui, não se preocupa que não vou sair do lugar. lembra, hein: eu ainda acredito em você. usted. mi amigo. com muito amor,

m.
- oh, come on, don't say you were fighting for this. you never wanted it, anyway.

- how could you possibly tell i never wanted something like that?

- it was written in your eyes, my girl.

- well, they speak a whole different language you can't understand. they don't speak for you.

- your words are as soft as night before dawn; but in no way you could hide this roughness that belong to those eyes.

- i'm a book, written in ten languages, all beautiful. none of them you can understand.
estou no peru há três dias. ainda não saí do quarto de hotel. tenho medo de me perder e ser assaltada, ou pior, esquecer o caminho de vez. no balcão de entrada do hotel, existem alguns mapas, mas são todos confusos. e quem olha mapas mesmo, hoje em dia? da minha janela vejo que lima é suja e cheia de pessoas coloridas que falam rápido uma língua estranha. não é espanhol, é mais duro, com uma rouquidão estranha. por sorte, trouxe dois livros - não ia trazer nenhum - para me obrigar a sair. o senhor me iluminou e trouxe hobsbawn e peter robinson. no total, 994 páginas. no total, sete dias. já se passaram setenta e duas horas, e dois cafés-da-manhã. os arranhões do pulso esquerdo estão cicatrizando, mas as marcas ainda estão lá. creio que esqueci o cachecol em são paulo. merda.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

sinto a sua falta.

( você, quem eu não sei dizer o nome )

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

nesse jornal, a hora não passa; o relógio anda para trás, é o impossível. a moça de cabelos loiros que reclama do judiciário já suspirou 274 vezes apenas entre 14h e 19h51; o argentino conquistador barato chegou, foi embora, e agora está ao telefone, preparando-se para encontrar com a namorada (quinta? quarta?); após o chefe de país ter corrigido o erro gramatical que não existia, desisti de ouvir os vizinhos de computador. a rosa da garota de cidade murchou e ela ainda não percebeu. as televisões estão desligadas, e a chuva transborda do lado de fora. o menino dos doces veio tarde demais, quando já estava em outro plano astral - vamos analisar a cena do crime, mergulhei fundo -, o ministro deu outra declaração, as horas não passam, os minutos não passam, são que horas mesmo? 19h57.
era um concurso assim: de duplas, cada pessoa com seu talento. o outro tinha que interpretar o um; ganhava quem melhor convencesse a platéia dessa nova habilidade e, obviamente, vencesse as provas.

havia um chef e uma atriz; ela teve que preparar uma macarronada enquanto os ingredientes caíam de lugar algum. se tocassem o chão viravam gotas de tinta, que ele usava para criar roupas e se maquiar para a peça que havia inventado. um dependia do outro, mas apenas o suficiente.

a próxima dupla era uma escritora e uma dançarina. o palco começou a se encher de nuvem rosa, e as duas não sabiam o que fazer. quando a dançarina tentou rodopiar, surgiram letras; a outra as organizou em palavras, como tobogã.

(não era corrente de auto-ajuda, era sonho).

terça-feira, 18 de novembro de 2008

indecisão mata. mais que morte matada, tão lentamente quanto morte morrida, mas sem ser em um suspiro só, são vários sufocos, um após o outro, desses de elevador fechado em mente claustrofóbica ou essas ressacas brancas do dia seguinte.

ir, ficar. afastar, avançar. caminhos. diferentes.

muitas vezes que se cruzam perto da ribanceira.

domingo, 16 de novembro de 2008

acordei com vontade de laranjas. secas, maduras, amarelas, gostosas. quando olhei para o lado, o gato branco havia posto as duas patas da frente sobre o caderno onde antes dormi escrevendo, e as outras duas sobre o telefone, largado no chão. talvez isso signifique alguma coisa. sei apenas que não havia laranjas nem aqui nem no supermercado; frutas desse tipo não se encontram embaladas por ar-condicionado, elas devem ser frescas como instantes; como sonhos. sonhos têm essa particularidade cruel: quando são ruins, é uma dádiva acordar e tocar a realidade. quando são bons e se acorda, caem as lágrimas de desejo. por quê? por quê acordar?
(apenas para me lembrar que ainda há muito, muito para ser feito.)
que dia morto, meodeos. nada, não fiz nada do que era para ter feito.

há dias em que a boca
parece ter ultrapassado a capacidade máxima
de dentes.
nessas horas tento me calar
mas termino por morder a língua
e rasgar o céu
no inteiro.
problema sério: incapacidade de concentração em assuntos não interessantes ao sujeito da frase.

ao ler montesquieu, eu penso em gnarl barkley.

domingo, 9 de novembro de 2008




resumo de todas as óperas:
acordei, você não estava lá
bati a porta, bebi os dias
voltei.
havia o relógio
e novamente o lençol azul
- fora tudo ilusão.


manchei meus dedos
para contar essa história -
que pena, você nunca
esteve lá.



para cada vento
existe
um desapego de dedos frágeis
e pensamentos
mal dormidos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

tive um sonho tão bonito, mas tão bonito tal qual cena de won kar-wai; era meu aniversário e fomos pegar as duas tortas, eu estava no banco do carona.

na estrada, ao olhar para o lado, a surpresa: o rio mais lindo do mundo. havia uma montanha de água com sete camadas; cada uma com a cor do arco-íris. tomávamos banho e imediatamente as cores transbordavam pela pele.

de repente, surge uma rainha egípcia com seu exército; o oásis era uma armadilha para atrair pessoas, não me recordo exatamente com qual propósito. saímos correndo, abandonando todas as cores, a areia límpida, a água gostosa. aceleraram o carro.

por estar muito rápido, o carro - era vermelhíssimo - foi parado pelo guarda de trânsito. medo. o motorista não tinha carteira de habilitação. mas o guarda era gay, eles entoaram 'singing in the rain', belo dueto por sinal, e partimos.
estou sem paciência para quase tudo; viver assim é muito complicado .

viajar, viajar, viajar.

por favor.
conclusão do dia: l. não gosta de trabalhar.
minha casa fede a desespero.

domingo, 2 de novembro de 2008

L. diz:
quero um sorvete, mas tá tudo fechado. comofas?

Tiago diz:
poha
Tiago diz:
manda um broder levar ae


L. diz:
cara, aqui no rio as pessoas não são assim
L. diz:
elas não vão nas casas dos outros
Tiago diz:
pq?

L. diz:
pq é todo mundo meio desconfiado
L. diz:
e acha que casa é só pra gente MUITO íntima
L. diz:
não é como em salvador
L. diz:
que você conhece alguém e já fala pra pessoa passar na sua casa e tal

Tiago diz:
ééééééé
Tiago diz:
aki é a terra da permissividade
estou sem saco de trabalhar, noooooooooooo patienceeeeeeee for yoooooou.

sacanear/e ser sacaneada no msn, enquanto repasso todas as músicas nessa merda de computador, que não é meu computador, pois o meu querido e adorado filho está na manutenção, em conjunto com 9 mil músicas, dois livros de poesia, um romance e um livro de crônicas. beleza, aê, cumpadi?

o gato jogou todas as fotos da minha mãe no chão. agora o quarto está coberto de olhos. bizar.

preciso dos mil e duzentos do roteiro, senão daqui a pouco andarei na rua pelada. contas, contas, contas - vou abandonar esse apartamento e ir EMBORA. deixar a casa COM TUDO DENTRO.

menos os livros.

vou ali baixar o santo da mobilidade sustentável e já volto.