domingo, 20 de dezembro de 2009

um domingo

estou bebendo desde ontem, oito e meia da noite. já se foram coquetéis de morango, lágrimas, filmes, e agora uma garrafa de vinho chileno à espera no congelador.

em um ano, troquei um apartamento por uma casa, casei, virei mãe, abandonei dois empregos e comecei a viver exclusivamente de cinema. de estagiária a assistente de direção. abandonei a três por quatro a faculdade, em alguma birosca suja da esquina. mas consegui terminar o penúltimo semestre com louvor - imagine. minhas dúvidas até cessaram. mas eis que estão de volta. são sempre benvindas. e ainda que eu tenha mandando às favas o jornalismo, feito o curta, recebido prêmio, iniciado um segundo e começado um longa-metragem sobre o assunto que mais me fascina nessa pequena existência, ainda assim, imagino como deve ser a vida de uma diplomata. e se essa vida não poderia começar a ser minha.

em outubro, conheci a cidade que irá me abrigar próximo ano: londres.

parei com a prosa. me dediquei à poesia. nunca escrevi tanto. nunca mostrei a tão poucos. voltei a pintar e não mostrei a ninguém.

minha filha acabou de agarrar uma maçã. não consigo parar de olhar.

comprei um carro. para ser mais um poluente na terra. mais um estressado do trânsito. mais um no posto de gasolina. mais a um a fazer mochilão pela américa do sul de fusca.

assinei contratos. de casa, de emprego, de confidencialidade, de empréstimo.

em novembro, não engoli sapo. ele foi demitido. não doeu. achei que fosse.

não sei para onde vou; quero ir para longe, um lugar de muitos rios e sem esse som frenético de caminhões. costumava gostar das cidades e de suas inúmeras histórias, mas faz parte da minha nova índole contar apenas a minha.

mas não sei como começar;

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

para ele

Arnauld tem grandes olhos azuis
e um teto muito branco
para poder se confundir com as nuvens
os dias de Arnauld andam muito devagar
- ou muito rápido, a depender do sabor de quem olhe
pois o ontem já não anda mais por aqui
- arnauld é um astronauta
só o interessam planetas
foguetes
galáxias
hoje esse menino velho
esse explorador do passado
um sonhador incorrigível
acordou cedo para comprar leite.
quando chegou, viu que já tinha uma garrafa
pôs-se a gargalhar
descalço, como quem sabe tudo
mas nada fala
porque faz muito calor lá fora.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

haikai de dezembro

ah, eu quis demais.

por querer demais. o além.

restou-me demais. o querer.

não sei que fazer, já que não quero mais.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

você olha para mim e diz que está cansada e que eu devo entender, afinal, estamos aí, somos todos uns fardos, esse peso ninguém tira está aqui e... mas quanta merda. sinceramente, vindo de você. ainda por cima. o que você, minha senhora, precisa entender, é que derrubado esse muro, estuprada essa grade, implodida essa grandeza aristotélica de condescendência que você apresenta perante o mundo, nada restou. e o que fazemos com esse nada? você prefere mentir, abstrair, andar sobre a linha à noite como quem ainda não dormiu - nada vejo, nada sei, que milagre, que milagre lindo acontece sob meus olhos. pois não há milagre algum, estamos todos na navalha, o meu pé é uma navalha funda na sua garganta, pois diz que é apenas isso. sê! sê crua! sê crua uma vez na vida e tenha coragem de sair à janela pra ver a desgraça que é. fecharam-se todos os portões e estamos trancados aqui dentro, eternizados estamos a ficar juntos. e a minha senhora ainda vem me falar em destino! você é ridícula. é ridícula quando não percebe a linha aqui, à sua frente. depois dela, você não é nada. eu não sou nada. não existe nada.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

perguntei a janela
o que queria da rua
ela me disse para fugir
e não voltar nunca mais.
esqueci a chave de casa
pendurada na porta
os lençóis do quintal mancharam
veio a noite e dormi
abraçada ao tapete dos sonhos.