sábado, 31 de julho de 2010

dalila está na dúvida se seu namorado é gay. maria luiza está grávida. lígia está desempregada. adriana pôs na mesa a garrafa de black lebel furtada do novo emprego em ipanema. o namorado de dalila se chama nero, irmão de cleópatra. - um brinde à vida enrodilhada. - você não pode beber. - ah, ela pode, sim. gabriel foi envelhecido em barril de carvalho. entre azaléias e madrigais, maria luiza preferiu três (pequenas) pedras de gelo. para dalila, nero é educado demais e fala no diminutivo. - homem que é homem não fala no diminutivo. maria luiza tem medo de morrer em uma esquina qualquer de botafogo. o ex-marido de adriana completou cinco anos de casamento com rogério. moram hoje em um belo sítio xamânico em vargem grande. - assim que sair o resultado do concurso do banco, eu começo meu mestrado em história do cinema. ou história do rio de janeiro? ou história do teatro? - lígia, antes de sonhar com o infinito, coloque o universo no chão. dalila ainda não contou a nero que é bissexual. lígia gargalha e bate na mesa: deus não dá ponto sem nó. - shhhh!, mandam parar. - eu não posso falar nada, maria, eu tive minha filha de um ex-marido viado. lígia cogita em se separar - mas só quando atingir o céu do funcionarismo público. não, não quero ser cliente do destino (toca no salão). acho que vou fugir para nova york, reclama dalila. - me leva? mais dois copos de uísque - e sem gelo dessa vez. eu não sabia se eu ia, se eu falava com ela, fica, fica (toca no salão). uma das habilidades escondidas de maria luiza é equilibrar pedras de gelo no nariz. lígia planeja entrar no guiness book como a mulher mais desinteressada pela vida diária. o aniversário de adriana é 20 de novembro - você precisa manter o emprego até lá, pra gente bebr de graça. - mas se ele é bissexual e eu também, a história sem fim não estaria completa?

sexta-feira, 30 de julho de 2010

o meu inferno é aqui, side by side com todos os meus demônios, os grandes, os pequenos e especialmente os atravessados na garganta

meu inferno é aqui, entre essas paredes que narram histórias de intensidade, altos decibéis e rasgos nos zíperes dos pulsos

meu inferno continua sendo aqui, mesmo quando alguém sorve o entardecer e mesmo ainda quando alguém amanhece em minha porta

meu inferno é constante e renasce nas fraturas expostas e nas tequilas violentas da lapa

querida, me conta uma boa história de dormir? que é para afugentar o medo de ladrão e vai falando, segue falando até eu fechar os olhos.
quando manuela se deu conta de que jamais havia amado alexandre, era tarde: o navio já era náufrago. no entanto, a manhã se mostrou tão mais clara ao entender que fora tudo ilusão qualquer, que se pôs a gargalhar: e riu, riu como há muito não ria. riu para abraçar outros, riu liberta, riu desamarrada, riu palhaça, riu galhofa. descobrir que aquele cultivado era uma farsa foi o bálsamo para suas chagas, foi a festa azul que tanto pedira, a música da estação certa que tocara exatamente quando - é tarde, nunca é tarde, já é amanhã, minha doce, vem brincar de ser feliz.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

tomo decisões como um náufrago.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

caminhar a dois

caminhar a dois, só
vai ser possível se
for cada qual pelo
próprio caminho.

antes que eu me perca na nuvem negra da sonolência vespertina
e que adormeça sobre os cobertores ao som da vinheta do vídeo-show
eu que sou minhoca já morta trafegando entre a fome dos peixes do pesque-pague
preciso te dizer que nosso amor nunca foi fome
nunca foi sede
sempre foi tédio
sempre não foi
ele que nasceu como um sim à vida
e que morreu como um talvez
numa tarde de sábado, peixe e tédio
no pesque-pague do bairro Saraiva


porcas borboletas

linha do tempo

dois meses para a criança correr livre em suas estradas, tintas e pincéis;

quatro meses para a adolescente ressurgir em toda a sua inconsequência em um festival de rock n' roll;

seis meses para a jovem navegadora apontar a gávea para outro continente.
acordei, revirei a cama e percebi, embevecida, que todo aquele amor fora embora.

assim, pela janela. em um estalar de dedos: ficou um estranho à espera.

terça-feira, 27 de julho de 2010

acontece que tenho como argamassa o sonho, e nessa construção sente-se extrema falta de um mestre de engenharia, já que as peças são colocadas randomicamente, como é próprio de todo sonho aliás. no entanto, estranha-se muito a falta do tal doutor formado, já que temos de sobra: distância, céu, pincéis, monstros de quatro cabeças e arco-íris no fim dos baldes de cimento; faltam os documentos da obra, o alvará para permitir a licença do projeto-final-sonho - os pedreiros, aliás, vâo e vêm quando bem entendem, deixando apenas uma bela moça sapatear em nas cores sobre a água - e os sonhos correm com os ventos, desrespeitando toda e qualquer norma regente de cossenos e logaritmos.
lembro de minha mãe, muito menina, com sonhos de ser grande e invadir o terreno do vizinho com notícias do mundo de lá; os olhos bem pretos espiando atrás da porta o que existia além da maçaneta e construindo pilhas de diários para serem derrubadas no momento em que a vida real subisse por seus vestidos de algodão puro - heliana nunca gostou de seda. lembro dela, docemente terrena, descendo as escadas com uma saia xadrez até os joelhos - estamos em 1968 - e a blusa de gola rolê vermelha com um desabrigado botão, encontrando olhares vãos até abandonar os seus nas luas de um castanho português. lembro dela dizendo, sem pudor do patético, que havia montado o seu ninho - o mundo que esperasse do lado de fora e fosse viver seus problemas & pagar suas taxas de incêndio.
o silêncio é livre para dizer o que quiser.

citando

e amar menos, eu sei que eu devia amar menos.



eu devia parar.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

fábula da gaivota

cansado de migrar, a cada inverno, para uma nova praia - esse movimento sul-norte já estava causando remendos para as asas cansadas -, o pássaro negro abdicou primeiro de uma pontinha da asa esquerda. ficaria mais lento que o bando e teria uma excelente justificativa para aquietar-se em seus castelos de areia (ultimamente, rasava mais sobre a terra que às águas). passada a primeira revoada, percebeu ser o esforço ainda inútil: cortou, então, um pedaço da asa direita. foi ainda inútil: as gaivotas foram criadas para voar, e lá estava uma espécime tentando gravar sua rebeldia ao chão. desesperado, o negro pássaro arrancou os dedos. estava livre, finalmente! uma vida plana, retilínea e horizontal: todos os caminhos ao alcance da vista. no inverno seguinte, assistiu da janela a todas as gaivotas voarem sobre suas telhas; sem dedos, sequer conseguiu mandar um abraço. foi melhor assim.

domingo, 25 de julho de 2010

frase do dia

i'm not telling
you it is going to
be easy, i'm
telling you it's
going to be
worth it.
from my kitchen
i smell notting hill's peaches
and peaceful folk saturday
when i used to walk until
hyde park devoured my foreign thoughts.

and now that i'm back.

sun goes into my window
into my skin
into my happiness
and says:
my dear, anything that you want
ever
is here, in london.

sábado, 24 de julho de 2010

the best time of the day

Cool summer nights.
Windows open.
Lamps burning.
Fruit in the bowl.
And your head on my shoulder.
These the happiest moments in the day.

Next to the early morning hours,
of course. And the time
just before lunch.
And the afternoon, and
early evening hours.
But I do love

these summer nights.
Even more, I think,
than those other times.
The work finished for the day.
And no one who can reach us now.
Or ever.

raymond carver

uma das melhores descobertas
da minha vida.

mais da sabedoria alexandrina

- dividir-se entre dois amores não tem nada a ver com poesia.
é o brega pelo brega.

e ainda mais: é subestimar a inteligência feminina.
anteontem, dormi tão cansada que acordei sem sonhos. (a menor distância entre dois pontos é uma reta, lembre-se bem disso). normalmente fui trabalhar, passei meus cartões, conferi a minha identidade - manteve-se o nome, sobrenome e data de nascimento -, confirmei a presença na aula de yoga, na festa de música alternativa no cair da noite, na agenda do fotógrafo interessante. aparentemente nada havia mudado: mesmo cabelo, mesmos olhos, mesmas tatuagens. ao atravessar o cabo da boa esperança, já estava no quinto sono em casa (o cadáver no sofá). pela segunda noite seguida, nada de sonhos. acordei preocupada: a paz por uma noite do guerreiro sadista que ocupa a primeira parte dos meus devaneios foi bem-vinda. mas nós nunca assinamos um termo de separação definitiva - aliás, teria sido ele o responsável por roubar meus sonhos? essa noite não dormi. querendo sonhar, esqueci do sono. olhei para o teto, para o chão, contei meus dedos - estavam os dez ali -, as orelhas, as manchas de nascença e as de aniversário; liguei para amigos no auge do desespero, mas dizer o quê? 'você tem alguma droga para resgatar sonhos perdidos no meu oceano laranja?'. às oito levantei, almejando conforto em qualquer saída de incêndio mais próxima. resultado? os dias sem sonho provocaram irritação e semáforos fechados.
você bem que podia perder esse seu medo de me amar.
desenhar ilhas de tranquilidade no espaço:

estado semi-delirante de fios
desencapados.

matizar

respirar bem e sempre: ensina-me o professor
aos sábados, oito da manhã
onde vão parar os suspiros, os arquejos, os tropeços
os vãos e as brisas?
segurar as pontas
dos dedos do horizonte para
alinhavar as descobertas em filas:
homem, o céu brinca de morder as palavras
enquanto fragatas são desmontadas
e recriadas
em estradas alaranjadas.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

telegrama

MÃE VG

VEM RESGATAR MINHA INOCÊNCIA PT

FALTA DELICADEZA NA CIDADE PT ALIÁS VG EM TODA A REALIDADE PT

L PT

inspirada por raymod carver

medo de não conseguir fugir
medo de perder a mão direita
medo de meus amigos desaparecerem em furacões
medo de ser acordada por notas fiscais
medo de perder os olhos verdes de cecília
medo da orelha esquerda cair
medo do fracasso
medo da redundância
medo da falta de assunto entre os casais
medo de minha mãe não mais me reconhecer
medo de monstros em lagos poluídos
medo de acordar sem olhos
medo do guerreiro de flechas em meus pesadelos
medo do dicionário burocrata

medo de esquecer os sonhos em casa.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

marcos já tinha bebido, vomitado, esgarçado a pele dos cotovelos, dormido na esquina - até acendido vela na encruzilhada da casa da mãe com a vizinha, que o surpreendeu na madrugada, 'quer um cházinho, meu filho?' - quando ouviu falar de um livro. ouviu falar, não: ouviu bem dito, recomendado pela amiga que já não aguentava mais pagar a conta do bêbado. "é um livro muito bom, marcos, minha chefe me recomendou quando vovó tininha morreu, ficou aquele azedo na família, eu mesma não sabia direito para onde ir, e se você quer saber, não é auto-ajuda não, marcos, é uma leitura totalmente diferente, que te faz entrar no seu eu, lembrar de suas vidas passadas e até olhar diferente para o futuro, assim, uma coisa de pele mesmo".

na quinta-feira, com a previsão de um fim-de-semana de sol no rio de janeiro - ela escorrendo pela geladeira -, com picos de quarenta e quatro graus na cidade maravilha - ela abrindo todas as portas -, e um prospecto de bares entupidos de CASAIS sedentos e FELIZES, a única saída foi o caminho da liberdade.

era um livro curto: setenta e cinco páginas. frases soltas. muitas perguntas - poucos verbos no imperativo. marcos - os dez quilos a menos tinham-no transformado em um garoto chorão; a barba por fazer o confundia com um pedinte qualquer de botafogo - abriu na página 49.

uma pergunta:

se você tivesse que escolher agora, qual teria sido o momento mais feliz de sua vida?

como um trailer de filme b, cenas de luiza foram se sobrepondo: luiza tomando banho - corta para - luiza cozinhando omelete - corta para - os peitos de luiza - corta para - luiza e marcos comprando um beagle - corta para

marcos, enquanto você se fodia limpando cocô desse beagle hiper ativo que comeu - e regurgitou - a planta do projeto da odebrechet, eu conheci um norueguês que vai me pagar uma passagem para rodar a europa, um be-

página seguinte:

o que falta hoje para atingir esse momento de felicidade plena?

já que sem luiza jamais viveria e luiza jamais teria novamente, marcos, sentado em um banco às duas e quinze de uma quinta-feira na voluntários da pátria, considerou duas possibilidades: a) virar pastor e entregar o corpo a deus ou b) virar veado. ambos os casos seriam complexos e passíveis de análise já que marcos era a) ateu e b) nunca tinha considerado outro ser na sua vida sem ser luiza. haveria curso? talvez fosse o caso de procurar o conselho psicológico da odebrechet.

abriu em outra página do caminho para a liberdade:

profundas mudanças exigem grandes esforços.
meu amor, há horas em que a literatura invade a vida e nem o mais sereno dos pescadores consegue conter o entusiasmo ao ler hemingway.

no papel, gotejam os sonhos; as palavras gostam mesmo é de realidade fingida: a declarada no imposto de renda tem uma barraca de abacaxis e nunca naufragou em piscinas de segredos.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

pausa

da sabedoria alexandrina, mordaz e feroz, quando reclamei (baixinho) que não sabia exatamente o que fazer da vida:

- mas você não estava sempre reclamando ao pé da página que queria ser cineasta?

é, mas agora subiu um calor de correr mundo, de trucidar umas certezas vazias, escorrer palavras para começar outras frases, pintar umas pirâmides. sonhei com a índia ontem: percorria, de barco, pelo ganges, o país inteiro, de cima a baixo, com um caderninho de poemas e uma máquina fotográfica. na semana passada, sonhei que estava na itália, com ele, meu querido ele, na nossa máquina de criar esferas noturnas. cansaço de trocadilhos vazios, salas de cinema vazias, mesas de bares indispostas. a tarefa de criar necessidades diárias já é suficientemente árdua para tornar-se também tediosa - vou ali fechar as cortinas e desaparecer por essa janela de santa teresa.

fui comprar cigarros - ainda que tenha parado de fumar. (sabe como é?)
mantenho guardada em meu bolso a imagem de seu rosto quando me disse get out of town before it's too late, my love. tão lúcida, tão limpa - tinha uma mania de limpeza portuguesa e burra (nunca conseguiu tirar completamente o mofo dos meus livros, quando todo incipiente a bibliófilo sabe que bastam algumas horas no congelador). mas como boa portuguesa também tinha as bochechas altas e vermelhas, a pele vinho envelhecida enquanto serpenteava uma beleza de quem ainda não tem mistérios - a vida ainda não me trouxe nenhum mistério, meu amor, ela repetia enquanto corria os dedos -, quando punha o vestido notívago e saía para me ver. chegava discreta, sentava-se ali, onde você está agora, e tinha como diversão encher as unhas de poeira da estante: dizia substituir terra por palavras. as pernas, enormes, eram o divino estado da graça e subiam às bibliotecas de Borges, aos céus do grande Alexandre e terminavam em meus braços - éramos felizes. fomos, melhor dizer. um dia, se bem me lembro, minha portuguesa cansou da ausência de minhas promessas e me entregou um bilhete de trem, assim como você me entregou esse guardanapo agora. o que eu iria fazer? quando uma mulher de tamanhas pernas violáceas manda um soldado retirar-se e ir embora da cidade, ao pobre homem só resta obedecer e encontrar outra boa mulher. talvez não tão portuguesa, talvez não tão burra. mas outra, apenas. assim, como você.

terça-feira, 20 de julho de 2010

resposta a p. cezar

não sou literatura por pura
(redundância?)
ignorância.

meus braços não são versos:

silêncio.

meus olhos não são vírgulas:

baús.

completa:

nostalgia,
medo
e tenho a pele vermelha
de fracassados mistérios.
a vida a passos largos:
dois pra lá, dois pra cá.

quando a noite se despedaça
em grãos
restam só devaneios.

sabedoria alexandrina II

cerre sua
doçura de relance
quando falo em
pragmatismo.

sabedoria alexandrina

seguindo conselhos de alexandre:

é preciso parar de ser romântica.
(de construir castelos em
águas turvas).

a fim de debruçar-se sobre uma vida prática:
(pacata?)
REALIZAÇÕES.



mas meus reais todos nascem
de romances baratos!

paulo despindo elucubrações: por onde anda nosso espírito quando não estamos olhando?

[ infelizmente, ou melhor, por força de um café adocicado e provocador de náuseas, perdi-me nos fios loiros da memória ]
escrever é tornar
felicidade
sociedade pública.

as palavras sobrevoam minha resistência.

domingo, 18 de julho de 2010

pássaro, pássaro, pássaro, o surfista prateado repetiu como quem não pudesse acreditar. [ era pássaro porque sempre fora livre e voou para longe; era prateado por ser único e apenas seu o encontro com o mar ].

falaram das ondas purificadoras e traiçoeiras, da música que tocava constantemente em décadas passadas - você ainda escuta aquilo? - e dos planos, constantes e infinitos, de tornarem-se melhores animais. eram isso e apenas: um pássaro e uma onda que, ao sair da água, virava surfista. prateado.

(abraços tão azuis que ele ficou com medo de sufocá-la; eis que o pássaro responde: se servir para algum pedaço meu ficar contigo nessas tuas ilhas...) sobre os travesseiros, o pássaro deixou um par de brincos com luas nas pontas.

o pássaro, condenado a carregar consigo o bando de gaivotas, cedeu uma ao surfista para que guiasse o seu caminho pelas tortuosas vias de correntezas e ventos. (e secretamente, pediu à gaivota que voltasse todas as noites para soprar em quais mares do mundo a onda prateada anda deslizando).

o dia em que o tempo deixou de existir: quando um pássaro e uma onda se encontraram.
o pássaro, como se o tempo jamais tivesse corrido seus relógios, desceu às águas do surfista prateado e desenhou delicadezas na areia.

(ainda que, um por mar e o outro por céu, ambos sigam rumo ao sul)

terça-feira, 13 de julho de 2010

no dia mundial do rock

marcelo percebeu que estava apaixonado por alice quando ela cantou, sem errar e sem desafinar, todos os versos de would, de alice in chains, ainda que ambos tivessem derramado uma garrafa de uísque às costas cansadas.

a felicidade era, todos os vinte e nove de junho, sentar ao seu lado, na cadeira de plástico e sem braços, e acompanhar, da minha voz rouca de já tantos marlboros, fuck forever, do babyshambles, para, ao final, segurar sua mão e rirmos juntos, desafiando os céus: fuck forever.

lembrar dos cachos dourados daquele surfista prateado é ter a voz de bob dylan em hurricane ligada no máximo, na manhã de uma quarta-feira atrasada.

dançar touch me, do the doors, ao lado de guilherme, nunca foi tão bom. da mesma forma que, encostadas ao muro sujo de um condomínio, duas meninas tinham as angústias perdoadas por all i really want, de alanis morisette.

chegar atrasada no colégio por assistir, repetidas vezes, ao novo clipe do nirvana, onze anos depois. e ser o único assunto por semanas.

costurar as madrugadas à voz de lou reed.

fazer amizade com estranhos na barra da tijuca para chegar mais perto de scott weiland.

reconhecer, antes da torcida do flamengo, os acordes de back in black, do AC/DC, na voz de shakira.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

família

minha mãe via morno
cheiro de chuva nos dicionários de latim
enquanto meu pai contabilizava
quantas felicidades haviam passado
por debaixo da porta.

minha avó me ensinou desde cedo a
costurar dores antigas para
abrir espaço às novas
enquanto meu avô ocupava-se de contar
estrelas para assinalar quantas haviam nascido
desde que roubara mais um sorriso.

meu irmão sempre preferiu o
nanquim solitário das madrugadas
às poesias estapafúrdias e descalças
da irmã menor.
nessas noites assim, em que não consigo dormir e sangro, sangro, sangro diante do papel, uma pergunta não sai da cabeça:

- onde foi que escondi as chaves das minhas liberdades?
pedro,

há variações de luz em todo o céu, em diversos tons: os de ontem, os de amanhã e ainda sobre os que nunca serão.

domingo, 11 de julho de 2010

escrever:
navegar por sensações turvas.

memórias

- fios de náilon

sequer chegam a lugar algum

mas
como todo prazer fugaz

(a maré cheia das histórias de ontem)

cobrem de areia
os azulejos da minha
nostalgia.
retirar a pele dos sentimentos antes de transformá-los em palavra.

sábado, 10 de julho de 2010

em meio a tornados e outros dissabores, deixei uma carta pontilhada em vermelho debaixo do seu silêncio.
salvador é minha moscou.
o mar me corrompe:
veloz.

*

à ponta do meu nariz erguem-se
histórias absurdas

*

o meu azul é projetado em delicadezas

*

minhas bibliotecas afundam em todos os meus desesperos

sexta-feira, 9 de julho de 2010

o náufrago recebeu um pecado como resposta aos seus silêncios.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

para alexandre

(ainda em santos)

não sei explicar essa angústia travada; os minutos andam, correm, avançam com mãos e cinturas, e eu nada faço além de. tenho medo de notícias que sequer foram confirmadas; acho que é isso, xan: tenho medo. de invadir, avançar, pular o muro, dar um telefonema. reclusa, as palavras escorrem em receitas estapafúrdias de solidão e recalque. não sobra nenhuma sequer para contar uma história mundana. como foi o seu dia hoje? fico muda, as palavras se foram. como se faz, hein, xan? como se faz para delinear uma vida inteira: por onde se começa, pelas toalhas? separá-las por cor, lavá-las, estendê-las, organizá-las e enviar para um bordado finíssimo com as iniciais?

faz muito tempo conversávamos onze horas in a row sobre morte em veneza, henry miller e uma futura possibilidade de dinheiro certo. thomas mann pouco andou em nossas vidas, mas miller continua ao lado da cama e eu ainda me espanto como ele consegue escrever em meio ao caos profundo. miller emerge do caos. será que conseguiremos?

xan, o maior medo é o engasgado; não quero sair de casa, quero diminuir aos poucos, esvanecendo, deslizando, escorrendo, até sumir. virar pasta pouca, massa. perder as unhas pelo caminho, desgarrar das cortinas, esquecer da terra nos dedos. há um jornal despedaçado embaixo do sofá, com fatos da semana passada que ainda parecem tão novos.

vou segurar as pontas por aqui, e qualquer novidade eu aviso. não farei teste algum - devo agüentar a manhã para me dizer por onde.


nos falamos,

m.
sempre que tento fugir
encontro seus braços nas
cortinas
portas
arames farpados
postos de gasolina em botafogo.

(motéis)

anda, me escreve uma carta
enunciando, uma a uma, as razões para não.

sei, desistiu.

o desfôlego invadiu a praia
e atrapalhou o trafegar dos navios

- os fenícios já usavam as âncoras para agarrarem-se aos tornozelos das mulheres amadas
pena que não amavam:
só os interessavam o comércio local.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

já em santa teresa

é, só eu sei quanto amor eu guardei, sem saber que era só pra você. é, só tinha de ser com você, havia de ser pra você, senão era mais uma dor, senão não seria o amor - aquele que a gente nem vê, amor que chegou para dar o que ninguém deu para você.

é, você que é feito de azul, me deixa morar nesse azul, me deixa encontrar a minha paz, você que é bonito demais.

se ao menos pudesse saber que eu sempre fui só de você e que você sempre foi só de mim...

parafraseando

fotografei você pelos meus apostos.

revelou-se a sua enorme ingratidão.

terça-feira, 6 de julho de 2010

roda, tempo, continua e caminha a pés largos. escreve e não lê: ignora o andar das carruagens, do caminhão de lixo e a fofoca da vizinha do 302. tempo, vai comprar delicadeza na padaria mais próxima enquanto seu princípe não vem e vem me contar, daqui a cinco minutos, se ainda chove lá fora. tempo, tempo, quanto ainda falta de asfalto para cobrir todos os buracos daqui até montevidéu? daqui até moscou? daqui até portsmouth? tempo, vê se resiste bravamente à tempestade que se anuncia lá do flamengo, destruindo sonhos e quadros negros e pondo todos, nomeados e desdentados, a remar.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

durmo no sofá desde quando você foi embora; a cama ainda tem seu cheiro, seu nome, sua estrada. a madeira me conta dos passados dos seus dias e das novas mulheres por quem você tem se apaixonado. o sofá é quase como rua: perto da janela, sem intimidade, sem braços à procura durante a madrugada; de lá não se acorda - a vida urge, logo levanta-se. a saudade rasga um pouco o antebraço esquerdo e até vejo algum sangue no chão, mas não tem nada, não, amanhã é outro dia e o despertador já está prestes a tocar.

domingo, 4 de julho de 2010

diário de viagem

em santos, o senhor perguntou a manuela:

- mas por quê você está sozinha?

cansada de responder a mesma pergunta, manuela suspirou:

- alice morreu. minha irmã, alice, morreu.

(era mentira - não havia qualquer alice)

as curvas nas estradas de santos não são nada demais; o peculiar daquela cidadezinha do interior é a ponte. há uma maquete no lugar da ponte que, finalmente, ligará as cidades vizinhas. à noite, quando o trânsito das barcas cessa, os casais santistas se apóiam na maquete para planejar o amanhã, uma linha sem trânsito, sem filas, sem espera, sem a procura por moedas perdidas no bolso; um dia promissor, avante, concreto e moderno. eles esperam, à beira da maquete, a ponte.

manuela sobre o nome alice: gostava de como a fonética caía sobre a noite, invadindo-a. manuela era nome solar, de recolher raios de sol e agonizar em corredores brancos. alice era mais lúcido; uma alice pode até se enganar, mas porque quer desaguar no desencontro. alice tinge as palavras, percorre labirintos - manuela não consegue descobrir as palavras certas. escapam, escapam a ferro-quente.

um segundo senhor apareceu. pergunta:

- o que é, timidez ou insegurança?

manuela, árida:

- um pouco dos dois.

o senhor, insistente:

- o que foi? tem medo que eu roube esse caderno e leia o que você está escrevendo?

(um adendo: isto realmente aconteceu. não é literatura)

manuela, esquiva:

- não escrevo nada de importante. pode ler, se quiser.

o homem pede desculpas e vai embora, esguio.

a estrada de santos não tem curvas; apenas uns imbecis fingindo desespero, anota manuela.


sábado, 3 de julho de 2010

pensei em comprar um desejo; até fui à loja, mas na hora de escolher, não sabia se levava para casa as palavras ou os sentidos. acabei com um sorvete nas mãos.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

quando cheguei em casa, a porta estava aberta
invadi, mesmo que com medo,
a própria cozinha:
mas não havia ninguém.
(mesmo)

meu amor,
eu realmente esqueci de trancar as fechaduras.
pelo vão, passaram-se anos,
quadros, corredores,
copos de vidros,
labirintos de fauno,
crianças correndo em branco.
com isso,
escorreram-se grãos de desejo e delírio
delineando, delineando
com amplas finalidades.

meu amor,
te espero naquela ponte,
entre os lagos de brasília
e as construções do céu -
entre a minha desfolha virgem
e sua revoada ao chão.