sábado, 30 de outubro de 2010

um dia, você vai contar a verdade a ela: quando o vento arde é tempo de mudar.

¿qué pasa?

- tentaram arrombar minha casa, nada levaram, restaram os anéis (quem me dera ter jóias em casa, respondi ao policial militar, adornado com um imenso fuzil), os joelhos e a vista cansada. continuo achando um absurdo essa coisa de não poder dormir com a porta aberta - e se jim morrison decidir me visitar no meio da noite? vai encontrar uma porta trancada? dei uma desaparecida por esses dias, sabe como é, ando ouvindo simon & garfunkel demais, colhendo umas estradas e escondendo no bolso para ninguém me roubar a semente e ainda friso: qualquer dia desses, invento o silêncio lilás. desses de veludo. meu silêncio vale um veludo. se eu pintei mais alguma coisa? não, não, só aqui dentro, pinceladas em vermelho-vivo adornam as grades da minha varanda, mas falta tempo e tesão, a tesão da corda-bamba, sabe como é? subir pelas escadas e, lá do alto, esquecer-se na corda bamba.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

claro que dá medo: ele vem inerente ao passo, com dentes que sangram palavras e engolem o silêncio. é preciso não fazer silêncio: placas de trânsito apontam para temporadas de chuva. hoje, tomei uma taça de vinho e nada senti - estaria perdendo a timidez? ou seria reflexo do meu medo? escondi a chave atrás da flor de gesso, vê se não esquece.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

riscados os traços
do corpo insalubre
restam os arpejos
das cigarras.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

as suas vírgulas não me metem medo, alexandre.

sábado, 23 de outubro de 2010

as dedicatórias

para guilherme:

que me ensinou

a fazer filmes.


para p. cezar:

um dia, nossos relógios

deixarão de ser abóboras.


para bianca:

o Alaska é aqui.

babe, me conta uma história para dormir? com dragões, resgates e labirintos perdidos em meio a ilusões que se transformam em cecílias - sonhos de menina.

babe, cansei de acordar rangendo os dentes: escalar postes para descobrir de onde vem a eletricidade gasta muito os calcanhares. dentro de mim mora um pássaro - veludíneo, pantanoso e que recebe lições de vôo. rebelde, gostaria de ser gato - para subir nas árvores arranhando troncos e derrubando os fios dos postes (afinal, de onde vem a eletricidade?)

babe, as pontas dos dedos estão todas corroídas e usurpadas; há mofo nos meus cotovelos, acredita? as mesas dos restaurantes não são mais como eram as de antigamente - andam todas duras, de marrom puído. o carteiro deixou de me entregar as cartas em mãos - agora as passa por debaixo do tapete. aliás, o preço dos selos aumentou um tanto, enviar as cartas forjadas às mãos custa muito mais caro do que se supunha há um par de anos.

me escreve? sinto falta dos teus ais e dos teus esses.

aliás, minto: sinto falta mesmo é do barulho dos teus dentes ao receber notícia boa.

um beijo.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

encontro da hora
com
a ternura mansa do
homem
amalgamado.
tenho frio e sede:
apenas soluções
(arpejos)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

placa de trânsito

cuidado: terreno pantanoso.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

hoje, acordei com vontade de te contar que ainda há delicadeza perdida nas esquinas.

sábado, 16 de outubro de 2010

nesta mão, nada trago
- direita, esquerda,
direto, estreito -
com a outra, rastros de uvas verdes,
calcanhares submersos,
espelhos d'água.

deixo todos em esquinas:
fumaça.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

vivo
sob nuvens de palavras
que esfolam
a língua

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

compro café, leite, torradas: já descobri como você gosta de uma xícara de café-com-leite quando acorda, bem doce, para espantar o bruxismo e o medo de dar tudo errado; conto, em meio aos cheiros finos e ao vinho português, infâncias inventadas, descobertas e assumidas, você me responde, cheio das ironias ensolaradas, sorrateiro e amarelo, dos calcanhares que ainda te pegam, vindos lá do norte. passo a passo, abro uma, duas, três, fechaduras: o corredor é extenso, vem uma luz azulada da janela circular e não temos pressa: ainda não amanheceu por aqui. pé-ante-pé, conto as rachaduras do teu teto e, veja lá, não ganham de uma mão das minhas: estamos quites e portugueses. decidi, agora, mudar de identidade: rasguei a cédula antiga, enterrei no quintal e virei adélia, loira e emancipada, à procura do melhor leite no mercado. me interessam agora apenas as letras amarelas, nascidas de anteontem. manchete no jornal diário: viram, assustados, gerânios em santa teresa. as palavras todas inventadas sufocaram em vilarejos perdidos à beira da estrada. tempo de inventar novos fonemas, novas sílabas: enchuvaradas, aluar-se, passaroso.
sorrateira
esqueço o calcanhar
(passo errante)
nos teus verdes.

domingo, 10 de outubro de 2010

teço em
águas claras
palavras que sequer
têm nomes:
chamam-se umas às outras
por sussurros
e lembranças.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

gonçalves dias

escrevi essa canção do exílio para lembrar que nunca estive lá.

da diferença entre inundar e atropelar

é preciso ser mais organizada, contar o tempo nas horas certas e não como calendário indiposto. o rio de janeiro chuvoso subitamente se traveste: esquinas de melancolia assustada subindo pelos postes. (gosto da idéia do rio de janeiro ter um pau escondido sob os parangolés). cinza é o vento dessa quinta-feira sórdida. 'aviso que sou um canalha', ele disse. bem, eu sequer carrego moedas nos bolsos (e pior: ainda falo por metáforas, desculpe).

a chuva não se decide: se inunda ou se atropela a cidade. (ainda que um venha, necessariamente, seguido do outro, os modi operandi divergem). inundar é construir morada, demolir sigilos, navios de caos e sutilezas. atropelar é arrancar as chaves, trocar as fechaduras e desaparecer rumo à berlim.

da minha parte, sou feita de chuva e cinzas, meu bem. você, até agora, pareceu matéria-prima de inundações. (da janela, avisto: a chuva decidiu, por fim, inundar a cidade).

ei, você, com o candelabro, na cozinha: quem vai atropelar agora?

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

- para você ver como se publica qualquer coisa: querem lançar meu livro de poemas.

- seria a deixa de dizer "eu gosto do teu livro, L." - se eu tivesse lido. ou entendesse alguma coisa de poesia. resigno-me ao parabéns descerebrado, pois.

- poesia não se entende: se esconde junto com a camisa do ramones no fundo do armário.

- lasquei-me. nunca tive camisa dos ramones. isso dobra a quantidade de poesia que posso guardar ou me torna um energúmeno?

- parabéns. você ganhou um vale-bônus da poesia com direito até a poema-construtivista-processo.

- dá pra abrir latas com isso?

- dizem que desentope pias.

- já é útil. tem delivery?

- ih, poema-processo é cheio de marra e não vai a lugar algum. metido a estrela.

- agora com primeiro livro no prelo, então...

- o primeiro livro se livrou dessa maldição. preferiu fazer umas rimas bobinhas.

- nem tento o tento. minhas estrofes são uma catástrofe.

- todas as minhas tentativas de rima são pobres e imorais. o jeito é aceitar. (aliás, o nome do livro é 'pessoas de quem roubei frases')

- gostei do título. até compraria, se visse por aí.

- eu te dou um e você já pode desentupir pias.

- faço questão de pagar. se der defeito, quero poder reclamar com a fabricante.

- a fabricante não se responsabiliza pelos danos ao contribuinte.

- no risco, sem rede. agora tá começando a ficar divertido.

- a casa só trabalha com apostas sem devolução. sentar na mesa tem que ser sem rede.

caixa postal

- óbvio que tem mais para falar: tem o meu mais novo caso de amor, esse que estou indo com as mãos amarradas atrás das costas e as pernas rijas, que é para não repetir a sinopse do nosso filme: eu, escabrunhada no meio fio de botafogo, chorando. O amor que nunca aconteceu. muita calma, muita técnica, muito lou reed na vitrola para lembrar das wild streets de nova york - vira-se uma esquina na voluntários e se cai em uma delas -, muita coleira que é para não adiantar o passo. tem também aquele filhinho, meu orgulho ressabiado, recebendo elogio de paris e eu querendo contar, mas na minha que é para não entornar o caldo. ando ressabiada em falar demais - porcas borboletas, lembra? - e escondendo minhas sílabas nos canos (até escondi uma palavra nova no buraco da telha da cozinha, uma delícia de palavra, depois te conto), e tem os convites, as rotas de fuga - sabia que foram os mesopotâmios os inventores do conceito de culpa? e eu achando que tinha sido o saudoso frei didi dos maristas, com o candelabro, na cozinha -, as vontades, os quereres. há todos os poemas que eu escrevi para você e que agora vão sair, impressos, numa folha azul, que é pra me lembrar que existe vida after you. tudo isso é para me lembrar que existe vida after you. me liga? me escreve? você nunca mais me ligou. não tá podendo, é isso?

terça-feira, 5 de outubro de 2010

quando ele encostou a ponta da caneta no papel amassado, puxado às pressas da bolsa de ana, e rabiscou um verso qualquer (não era um verso qualquer, todos sabemos disso; era chet baker escorrendo pela tinta barata), teve vontade de dizer:

- medo de você segurar essas mãos esfoladas e desaparecer com medo do sangue que brota. raiz de planta morta que ainda assim insiste em escorrer pelo ralo, inutilizando todos os escoamentos da casa.

mas manteve-se quieta.

domingo, 3 de outubro de 2010

god bless you, lou reed

oh, please, saint germaine
i have come this way
do you remember the shape i was in
i had horns that bent
i'm so free
i'm so free.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

padaria

existe uma padaria aqui na glória, apelidada carinhosamente por moi de "a melhor padaria do rio de janeiro". obviamente, não é. mas é a única que abre religiosamente às quatro da manhã (sempre disponível nas noites de perdição & luxúria) e encerra às onze da noite (sempre atenta aos desejos & às carências). há um biscoito de farinha de trigo & manteiga & ovos, em particular, idêntico aos que a minha avó fazia. desses que metade do saco está queimada e a outra, crua. desses que se come assistindo à reprise de roque santeiro durante a aula de matemática. dona carmelita tentou me ensinar diversas coisas acerca da vida, dos homens, das frustrações e de tudo o mais que corre por debaixo do tapete, mas eu, rebelde, sequer dei ouvidos. não aprendi a rezar para encontrar amores perdidos, perdi a receita da suposta torta de bacalhau para dobrar chefes & sogras e jamais consegui enfiar a linha na agulha de costura.

dela, guardei todos os discos de caetano, de cely campelo e dos beatles. aprendi a andar no ônibus de graça (só praticável até certa idade, crianças), a fingir sapiência no francês e a pentear o cabelo para o lado esquerdo todas as vezes que a vida andasse errada (que é para o vento soprar do lado certo). vejam vocês, apenas as coisas erradas.