domingo, 17 de junho de 2012

dear nathalie,

você me pediu cinco verdades.

vou te dizer que essa foi a tarefa mais escrota que já passei num mundo de quem nem acredita em vinte e quatro verdades - que dirá cinco.

uma.

amar é a única verdade.

é o único desmantelo. é a pior eletricidade. a física quântica convertida em alentejo.  amar é a única receita eficaz contra o maior mal da humanidade: roer o sabugo. não se parar de roer: se cria outros dedos. outros mindinhos. a única verdade que existe é amar. única.

se ama muito nessa vida. e amar, só se for intensamente, ladeira abaixo, arrancando dedos, anéis, sífilis, ilusões, desejos e matizes. amor arranca: consegue nos arrancar de nós mesmos, da mesmice, do estado-boi ao acordar pelas manhãs. o amor inventa palavras, desafia a eletricidade, arranca os peixes-surdos do mar e rasga o silêncio. o amor nos faz percorrer estradas e andar sobre águas.

existe o mar. existe a estrada. e existe o amor.

duas.

o tempo recria a fotografia.

é quase uma esquizofrenia o que o tempo faz com as nossas impressões. os nosso verbos. as nossas dores. o enorme vira ínfimo. o você vira quem sabe. a cicatriz torna-se passagem. e o abismo - ou configurou-se abismo mesmo ou se diluiu em cerveja gelada. ALIÁS: todas as certezas se diluem em cerveja gelada (até a hora de seu estômago reclamar). até aquela mágoa enraizada, aprofundada, amalucada, se evapora no doce sol do passar das horas. a memória - especialmente a seletividade dela - é como o azul lambendo a areia. no nosso caso, os abismos particulares (e sempre, sempre, tão originais).

(já ouviu araçá azul?)

três.

o mundo precisa dos poetas como a palavra precisa do silêncio.

e aqui eu devo adicionar um parêntesis: não é para enaltecer o meu lado, não. o universo é constipado de beleza e azulzyness (capacidade de afogar os nossos olhos no mais lindo azul que nem yves klein conseguiu um dia), mas tempos há em que as retinas só captam os postes, a má editoração do livro, a clonagem do cartão, o sotaque ridículo da sua estagiária, o karaokê insuportável dos seus vizinhos no domingo à noite com o baterista que - enfim. you got it. o poeta é este ser endemoniado, preso o intestino com todas as palavras do mundo e que as vomita diante da delicadeza de um alheio, de um sorriso incerto, de uma estrada que abre a boca para te engolir. como se carregasse o verde preso à bile. o corpo do poeta é feito do que ele mais ama e odeia no céu: palavras. sua respiração é feita dos silêncios e corta as unhas para poder cuspir as vírgulas. o mundo esquece que é feito de verde e de legiões. o poeta vem com as montanhas. o poeta surge na finda noite e grita: vem.  

quatro.

o homem é linguagem.

há um rinoceronte embaixo da mesa. tudo que somos, que aprendemos, que acreditamos serem verdades - fruto da linguagem. absorvemos sentenças e gravamos-as como fixas em nossas cabeças. sentenças, dados, imagens  - como flores que apanhamos em campos frugais. filmes que vemos, livros que lemos, frases que ouvimos, situações ocorridas com outrem e tomamos para nós.

a linguagem é tudo. é o que nos resta: brincar com ela. torná-la nossa aliada. nos transformarmos como a língua se transforma.

cinco.


malas são desnecessárias.

quando se decide ir de um lugar a outro o melhor a fazer é ir de mãos vazias - para receber bem a água fria. aquela coisa de formar uma concha com as mãos e beber do vento, sabe? claro que viajar é substancialmente diferente do mudar-se (ainda que a melhor viagem seja, nem que por algumas horas, comportar-se como verdadeiro morador, antena captando sotaques & manias), mas para quê carregar consigo o lugar de onde se partiu?