quinta-feira, 31 de março de 2011

relicário de desejo

o que há são os pássaros.

inabaláveis, de recorte à janela

gritam:
vem

trôpegos de delicadeza

descobrem o caminho de budapeste

em uma reza, as mãos coladas:

o sagrado nasce do amarelo.
Mamãe,

No dia do seu aniversário, sentei para escrever-lhe uma carta, como fiz durante muito tempo. Não sei se é fantasia da minha cabeça, mas tenho muita vívida a lembrança de que você detesta presentes (por considerá-los objetos inúteis) e sempre me pedia textos (que sempre os considerou úteis). Aliás, acho que meu amor pela palavra escrita vem muito do seu (ainda que você deteste Letras).

Mas não consegui. A primeira carta que escrevi, a considerei dura demais. Depois, achei que não estava sendo de todo sincera e, por último, achei que não conseguiria colocar em palavras a nossa relação. Você é a minha inspiração - uma mulher de sonhos e lembranças. (Gostaria de ter mais lembranças_.

Convivo diariamente com as minhas memórias turvas e sem nome, em uma relação (na maior parte do tempo) saudável. Mas eu gostaria de ter lembranças. Tenho esperanças de ter isso um dia. Se tiver, quero você presente. Gostaria que você passasse o amor pela palavra para Cecília como você passou para mim. E a confiança de que tudo é possível. Você sempre me disse isso e acho que é daí que tiro a minha força.

Um beijo,

sábado, 26 de março de 2011

cecília anda carente, escorando as paredes, brincando de se esconder nos lençóis - as portas das geladeiras todas abertas, o sinteco não chega nunca. a tinta ainda fresca. carência, carência - cecília liga, ninguém atende - ulisses espera, sentado, o dia da libertação. faz até um certo frio nesse apartamento, pensa cecília. resolve-se carência dormindo (nos sonhos, ninguém é sozinho; há sempre uma nova dimensão, uma outra porta, uma neve que cai).

cecília que.
no fim das contas, você ainda é a única pessoa que.

terça-feira, 22 de março de 2011

são dilúvios, menina, todos são dilúvios.
toda aquela boca - todos aqueles dentes - abrindo e fechando para reclamar do morrer na praia das línguas cansadas

ah, os elefantes.

respirando, todos, na mesma cadência de sons: uns mais, outros menos.

(mas eu ouvi você gritar, não é verdade?)
nítida sensação da minha vida ter se transformado no novo disco do radiohead.
maldito vício

de encarar o asfalto.

segunda-feira, 21 de março de 2011





tudo ficou

assim:

meio sem nada para dizer.
o setor de reclamações
hoje teve mais uma:

o seu pálido frigir de ovos
reclamando da falta
das minhas linhas
azuis.

fidelidade

na janela, o seu rosto
claro
- frio
a envelhecer.

terça-feira, 15 de março de 2011

correm os dias - até quando - nas gotas, uma janela avista terra - queria dizer que encontrei a paz, mas seria - um suspiro grave - ainda que tranquilo, ele a espera - finjo em vermelho e verde; finjo em tantas cores, esqueci dos fonemas - hoje acordei cega; sem mais nem menos, cega - ele ainda a espera - atravessar é um puta dum verbo engraçado - dói, dói, ainda dói tanto - a ponta do lápis arranha o papel - solenemente, ele a espera - tateei em busca dos óculos; ainda assim, continuei cega, nem distinguir a luz consegui - amanhã, amanhã, ela me diz - eu ainda sangro às vezes, desapercebida - de longe, recebo e-mails, cartas e contados - debaixo das saias, ele ainda espera - rascunho do inferno é nascer mulher.

domingo, 6 de março de 2011

eu, os alpes e você

Olha só que isso pode ser um plano de vida: ter um castelinho distante do asfalto e passar seis meses em Londres e seis meses no Brasil, fabricando roteiro às escondidas. Não importa onde eu esteja - Londres sempre vai morar comigo. Sempre! A cidade mais linda, a mais cosmopolista, a mais incrível, a mais sonhadora - o lugar onde tudo é possível. Que Estados Unidos, que França, que carnaval - minha carne é da Inglaterra.

Eu vim do gelo, só pode. Eu olho para os alpes e penso: eu moraria aqui. No pé da montanha de gelo. Tudo tão branco, tão gélido, tão cândido... A paz da Iceland. Um dia ainda vou ao Alaska e vou me sentir em casa, eu sei. Sabia que tem uma música do Lou Reed chamada Stephanie Says, em que o refrão é:

but she's not afraid to die
the people all call her alaska
between worlds so people ask her
'cause it's all in her mind
it's all in her mind


Você sabe, você conhece a fundo a minha nostalgia da adolescência, a época em que eu fui FELIZ e SABIA. E estar aqui, na casa do meu padrinho de casamento, do meu amigo de dez anos, rodando a Itália e lembrando de como a gente ria, de como a nossa turma era feliz, como ríamos e como pássavamos pelas maiores merdas sempre felizes (às vezes brincando de depressão, mas era apenas brincadeira), de como tínhamos o mundo nos sonhos e agora temos nas mãos... E estar com a família dele (não sei se você já teve a oportunidade de conhecer, mas uma família italiana te ADOTA) é um conforto imenso. Sensação de pertencer a algo, sabe? Desde que eu deixei os meus meninos, os meus amigos, essa sensação de 'não-pertencimento' me persegue. E, engraçado, nisso eu também me encontro na Ana C.: ela tem uma sensação, incômoda, de nunca pertencer a lugar algum, sempre ser desajeitada. E as pessoas com quem eu converso que a conheceram sempre me narram isso - de lembrar dela sempre quieta, no canto, fumando seu cigarro, observando, observando, observando, sem revelar muito de si. A misteriosa Ana C....

O que a gente tem é somente nosso.

Me promete que um dia você me deixa te levar em Londres? We are gonna have the time of our lives! Vou te levar num café, garoto, em Portobello Road, escondidíssimo, que serve o MELHOR brownie de todo o universo. Você jamais vai comer outro igual. E ah! Tem um café no porão da igreja de St. Paul em Edinburgh que tem um café preto com um panini... Menino, é melhor que orgasmo.

Beijo gelado dos alpes.
"Aê... Vou tá sempre ligado em você de uma maneira que até mesmo o amor ficou perplexo".


(as palavras são as mesmas há anos; mas como você as combina sorrateiramente devasta o meu olhar)
l'italia, l'italia.

ganas de te morder. acho que enlouqueceria se morasse (seus castelos medievais, suas marcas da inquisição, o fascio e a suástica encrustados nos alpes) - mas meus ombros estão à sua disposição. as águas di garda me contam em letras miúdas: james bond esteve aqui. con un gelato regali un sorriso - audrey hepburn em roman holiday. milano me lembra manchester (mas cantada, sempre cantada, l'italia respira em versos) e a avenida principal chama-se dante.

alpes, me esperem! i come from iceland.

na falta do alaska, os alpes italianos. credo che stai molto bene.

quinta-feira, 3 de março de 2011

sobre tentativas de lágrimas

a pessoa que eu era ficou lá, naquela mesa. no centro do terraço, havia uma mesa de aço (ou era madeira?) enorme, onde passávamos todas as horas - onde iríamos dominar o mundo, tão somente quintal das nossas luvas e copos mal lavados. éramos tanto. agora, diante dessa estrada que não reconheço como minha, como sua, como de ninguém, não tenho dedos suficientes para agir. sem roupas - a mão tapando os meus olhos de toda o azul marinho já há muito foi embora, liberta do seu garimpo. fico aqui, observando os diamantes crescerem à minha revelia. arde os olhos.

das lições esparsas, lembro de sempre conferir o lado correto do cigarro (um), gritar a todos os pulmões quando estiver por demais silencioso (dois) e nunca trancar a janela (três).

antes de dormir, me diz que chegou.

e eu ainda a olhar os diamantes, sem saber dos dedos, das unhas, do corte, da porta do táxi. sem sequer entender a carta que nunca chegou.

quando atravessar o campo significa atravessar calendários.

quarta-feira, 2 de março de 2011

ah, por que você continua a me mandar cartas quando eu tento te esquecer?