domingo, 21 de dezembro de 2014

na estação um cansaço de
ter tragado duzentas manhãs
a língua enrola nos últimos passos
arreganha a fronteira
imediatamente você fecha os olhos
são toneladas de peso para
cruzar a última linha
àquela onde não se ouvem mais gritos
um baixo senhor puxa o tapete vermelho, porém
quem é você, verker?
estará verker conosco?
hoje verker lê poemas?
enquanto você se movia no café de kreuzberg
ocasionalmente
foram notados lampejos de felicidade

domingo, 7 de dezembro de 2014

procuro uma história pra contar procuro uma história pra contar procuro uma história pra contar 


há quase um ano não escrevo uma linha de poesia. ouço, observo, me disperso muito. fomos ao mauer park hoje. do que mais gostei: os refletores imensos voltados para o lado além do muro. as árvores retorcidas. verde escuro, vinho, terra. e azul claro. um azul muito claro. talvez falte capacidade de abstração. me disperso em imagens caudalosamente em imagens. não sei se é exatamente tristeza, prefiro acreditar mesmo em distração. ou talvez esta seja mesmo a dança. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

lá fora as folhas todas virariam
amarelas
não fossem verozmente engolidas
pelo homem no trator com
sua garra faminta gigante metal
apruma e arranca apruma e arranca
apruma e arranca
apruma
quem dera assim fossem todas as manhãs
aquele momento diário de reunir as
últimas porém ilhas de coragem
o braço quer ir longe cresce
zás
arranca do corpo tal qual a máquina
sai sozinho espirrando sangue e
retirando as folhas da vinha
arranca arranca arranca
porque ainda há muito amarelo para ser recolhido
lá fora
e as ilhas diárias precisam
de muita areia

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

a manhã nasce da sua
boca, esfarelada e monocórdia
todavia nunca carrega
as mesmas cores

no entanto,  desse fio 
nascem seixos

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

E mais uma vez estou num ônibus para São Paulo; uma gangorra. Pacientemente deslizo os pés entre as argolas de metal a fim de que o peso recaia sobre o outro lado. Não adianta muito. Paira por aqui uma nuvem de palavras, espessas e escorregadias. Estive uma vez em companhia de Elvis por toda a Dutra; ele estava no Havaí e tocava ukelele. Elvis nunca esteve em Vegas - sua casa sempre foi Honolulu. Elvis de Vegas é chato, ridículo, previsível. Elvis de Honolulu tem um toque de rum. Ainda não chove, mas a vidraça está suja de gotas d'água. Água de outros dias. Aos meus pés, um senhor de fios dourados; os postes ainda estão acesos. Eisenstein: um plano deve carregar em si uma parte da informação referente ao todo da imagem e ao justapor este a outro plano, também esse carregado de informação imagetica do todo, mas sendo uma outra parte da forma, atinge-se a ideia do filme. O todo. Os vidros sujos. Os guindastes solitários - gruas, gruas - do porto, erguendo seu gigantismo sobre o negro nada. O reflexo do postes acesos ainda sobre duas bolas castanhas.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

a uma semana de encerrar a temporada na praia, o coração percebe-se menor. um ano e meio de são paulo é suficiente para dizer: não há nada como o sal. há pessoas feitas para o concreto, há pessoas feitas para a areia. lição apreendida. as águas mapeadas são mais tranqüilas que a terra e se nos mantivermos quietos, estaremos longe e ainda dentro. de todo modo, é preciso dizer adeus para o navio seguir viagem (i.e. meditar à condição de náufrago). continuemos as atividades: pôr e retirar palavras, pôr e retirar lençóis, pôr e retirar arbítrios. levo comigo a água: nos poros, nos fios, no fígado. é preciso um largo fígado para encarar esta cidade. existem deuses e eles pairam. o meu é o mar.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Estou andando por essa sala de pedra. Penso na história da barraca (você sabe): tínhamos acabado de nos separar e eu ocupava o menor quarto da nova casa. Se abrisse completamente as pernas, atravessava as duas portas. Minha mãe estendia uma corda de varal parede a parede (como ela pendurava? a memória goza de truques baratos; agora parecem soltos no ar, fios desencapados) e por cima, um lençol. Comigo, uma lanterna, um par de binóculos, um livro e um toca-discos recém anos-90, lilás, trazia ainda a gaveta para a fita k7 e antena (infindável em suas dobraduras) das ondas do rádio. Nessa cabana, nesse mundo, o rei era Lupicínio Rodrigues. Dormia no chão, à sombra da casa que fica detrás do mundo, onde se chega em um segundo quando se começa a pensar. Mundo mundo vasto mundo. 

Daqui do sítio vê-se a montanha que os homens construíram para alcançar a lua. Esqueceram de separar a madeira, porém. É preciso conhecê-la, saber de sua raiz se é furiosa ou arredia. Poucas coisas no mundo deveria importar mais que a construção de uma canoa: os homens trazem logo suas bandeiras.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

aqui o silêncio é raro. há sempre um bicho ou outro a lembrar-nos de trilhos, fios elétricos ou, no último limite, do medo provocado quando se ouve patas sobre as folhas de madrugada. anteontem uma pequena onça rondou a casa ao lado; também apareceu ontem, mais ao fim do rio. a paisagem é pornográfica: olhamos, olhamos, olhamos; meus olhos se cansam e se viram para a terra. alguns cachorros, quase sempre pretos, dormem em uma sombra improvisada. aqui, brinca-se de pôr e retirar palavras. pôr e retirar lençóis. pôr e retirar arbítrios. os dias se vão (se é que alguma vez estiveram mesmo conosco). a luz se vai e quando volta talvez já estejamos em câmera lenta, com as pontas dos dedos desenhando os sulcos de espanto no ar. de todo modo, andamos demais sem ser convidados (sequer rejeitados) para nos sedimentarmos agora, aqui, nesse chão de mármore. deveríamos ter ficado em casa a assistir estranhos encenando tamanho estranho espetáculo? quem aqui entende de exposições a céu aberto é você, não eu. o preto e branco do gato desperta: é preciso sempre desconfiar da eletricidade. ou um bicho feito de sal, também pode ser. deveria falar de raízes mas me perco espreitando o vão entre as duas tábuas de madeira a que chamam porta: a fresta é composta de um continente verde. todos os mistérios do mundo estão ali mas meus dedos não são finos o suficiente para atravessá-la. resta-me olhar. como uma prancha de felicidade numa vila que não fala bem de felicidade.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

entre tecidos trançados e folhagens que sequer sei o nome
algumas saltam aos olhos, parecem feitas de vento e
águas que carregam barcos
- o humano, aqui, é não nos levar a lugar algum,
tão somente à nossa direita e esquerda.
observá-las - como vão de encontro a outras,
menores, resistentes, imaturas, algumas até anárquicas,
recusando-se a congregar um mesmo verde,
ainda que sabendo que essa rebeldia não irá a lugar algum,
pois nenhuma ilha é feita somente de verde -
é meditar à condição de náufrago.
lenha para carvão em um baú de tranças, teus fios brancos emaranhados.
às vezes tenho a impressão de ouvir os passos dos inimigos
- tão somente é a mariposa.
verdadeiro instinto dos bêbados: enlaçar os pés atrás do pescoço.
as águas mapeadas são mais tranqüilas que a terra;
há o rio, há o rio, há o rio.
mesmo o mar aqui é espraiado.
um sismógrafo seria inútil,
se nos mantivermos quietos, estamos longe dentro dela.
não haveria terra se não houvesse sal nem nuvens de longas fibras
- você lembra-se de quando a neve da montanha deslocou o caos?
dissemos adeus para o navio seguir viagem
e aqui estamos.
neste dourado que perfura a madeira criando
sulcos de instinto e espanto.