quarta-feira, 21 de julho de 2010

mantenho guardada em meu bolso a imagem de seu rosto quando me disse get out of town before it's too late, my love. tão lúcida, tão limpa - tinha uma mania de limpeza portuguesa e burra (nunca conseguiu tirar completamente o mofo dos meus livros, quando todo incipiente a bibliófilo sabe que bastam algumas horas no congelador). mas como boa portuguesa também tinha as bochechas altas e vermelhas, a pele vinho envelhecida enquanto serpenteava uma beleza de quem ainda não tem mistérios - a vida ainda não me trouxe nenhum mistério, meu amor, ela repetia enquanto corria os dedos -, quando punha o vestido notívago e saía para me ver. chegava discreta, sentava-se ali, onde você está agora, e tinha como diversão encher as unhas de poeira da estante: dizia substituir terra por palavras. as pernas, enormes, eram o divino estado da graça e subiam às bibliotecas de Borges, aos céus do grande Alexandre e terminavam em meus braços - éramos felizes. fomos, melhor dizer. um dia, se bem me lembro, minha portuguesa cansou da ausência de minhas promessas e me entregou um bilhete de trem, assim como você me entregou esse guardanapo agora. o que eu iria fazer? quando uma mulher de tamanhas pernas violáceas manda um soldado retirar-se e ir embora da cidade, ao pobre homem só resta obedecer e encontrar outra boa mulher. talvez não tão portuguesa, talvez não tão burra. mas outra, apenas. assim, como você.