domingo, 4 de julho de 2010

diário de viagem

em santos, o senhor perguntou a manuela:

- mas por quê você está sozinha?

cansada de responder a mesma pergunta, manuela suspirou:

- alice morreu. minha irmã, alice, morreu.

(era mentira - não havia qualquer alice)

as curvas nas estradas de santos não são nada demais; o peculiar daquela cidadezinha do interior é a ponte. há uma maquete no lugar da ponte que, finalmente, ligará as cidades vizinhas. à noite, quando o trânsito das barcas cessa, os casais santistas se apóiam na maquete para planejar o amanhã, uma linha sem trânsito, sem filas, sem espera, sem a procura por moedas perdidas no bolso; um dia promissor, avante, concreto e moderno. eles esperam, à beira da maquete, a ponte.

manuela sobre o nome alice: gostava de como a fonética caía sobre a noite, invadindo-a. manuela era nome solar, de recolher raios de sol e agonizar em corredores brancos. alice era mais lúcido; uma alice pode até se enganar, mas porque quer desaguar no desencontro. alice tinge as palavras, percorre labirintos - manuela não consegue descobrir as palavras certas. escapam, escapam a ferro-quente.

um segundo senhor apareceu. pergunta:

- o que é, timidez ou insegurança?

manuela, árida:

- um pouco dos dois.

o senhor, insistente:

- o que foi? tem medo que eu roube esse caderno e leia o que você está escrevendo?

(um adendo: isto realmente aconteceu. não é literatura)

manuela, esquiva:

- não escrevo nada de importante. pode ler, se quiser.

o homem pede desculpas e vai embora, esguio.

a estrada de santos não tem curvas; apenas uns imbecis fingindo desespero, anota manuela.