quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Vermelho era o esmalte dos pés de Ana Carla, que sentada, com as pernas abertas na cama, os calcanhares encostados na beirada, passava duas vezes o esmalte em cada unha. A unha do dedo mindinho do pé esquerdo estava quebrada - de tanto andar de havaianas por aí, já tinha esbarrado em poste, escada, quina, rato morto, pedra, bueiro, gente. Mesmo assim, pintava.

Tinha uma entrevista de emprego para ir hoje. Seria bom sair da lama logo - depois de pedir dinheiro emprestado a pai, mãe, ex-marido, e amiga, o próximo passo seria debutar em Copacabana. Semana passada a professora de redação da faculdade tinha mandado um e-mail a indicando como tradutora de uma senhora. O trabalho, aparentemente simples. 8h às 12h, todos os dias, ela iria para o apartamento dessa senhora - nem tão perto, nem tão longe, ainda na Zona Sul - traduzir textos do inglês, do espanhol e do francês para a mulher, professora, jornalista e dona de uma editora. Uma multiuso, digamos assim. Ana Carla ficava vendo como seria essa mulher. Três profissões. Moraria sozinha? Quantos anos teria? Pelo telefone, parecia ter uns trinta e três. Trinta e cinco no máximo. Loira? Morena? Ruiva? Usaria saia ou calça jeans? Era casada?

Separou os diplomas dos cursos de línguas, os textos escritos na faculdade - só separou os que tinham dez - colocou tudo na pasta junto com o currículo - apesar de odiar aquela 3x4 - assoprou os dedos dos pés a última vez, enfiou-os num scarpin de salto nem tão alto mas que desse para perceber que era um salto e saiu. Saiu para ganhar o mundo. Precisava daquele emprego.