domingo, 25 de novembro de 2007

Resgatei esse texto lá pelos idos de doismilecinco. Não sou de fazer isso. O que está escrito está escrito e foda-se. Não olho para trás. Mas me deu uma coceira de viver depois de ler isso.

Considerações finais

Ela acendeu seu último cigarro – ou o que pelo menos almejava ser o último cigarro da noite. Era tão noite dentro de si, que não distinguia choro de grito de raiva ou de dor. Era tudo a mesma coisa, tão embolado que estava dentro de si – tão torta que estava. Pensou em rezar, realmente pensou; mas rezar para quê, para quem, pedir o quê? pedir a salvação de sua alma? e se não tivesse alma, teria gasto um pedido à toa? e se nunca fosse atendida, seria eternamente frustrada? Rezar pra quê. Continuou o seu passeio noturno quarto-sala-quarto-sala. Ás três da manhã as fotos grudadas em sua parede com cola de escola que é uma merda, mas funciona, parecem pequenos pontos perdidos no universo enorme que é a sua parede. São apenas pontos, nada demais – pela manhã, transformam-se em momentos, em sorrisos (forçados ou não), em praias, ruas, casas, bancos, livrarias – e na verdade, não passam de pequenos pontos. Aquela velha sensação de ter tanta coisa para fazer, e vontade de nada, não conseguir levantar da cama, andar, pegar um copo d’água, acender o cigarro – ligou o piloto automático; ela ainda está no mesmo lugar, na cama, parada, estática. Nunca foi dinâmica. Sempre a chamaram de isolada estranha esquisita. Ela precisa fazer mercado – de que adianta, se não tem vontade de comer? – escrever uma carta para um amigo distante, escolher uma roupa para o casamento de uma amiga, ler dois livros, ah, ela não precisa de nada disso. E se sumisse? Simplesmente desaparecesse. Provavelmente iriam procurá-la por um mês ou dois, três no máximo, sua mãe iria ficar desesperada, mas o tempo cura tudo, não cura?, cura, claro que cura!, seus amigos iriam substituí-la por alguém mais interessante, talvez com o mesmo gosto musical para não ficar assim tão na cara que substituíram a amiga, mas tudo se dá um jeito, e o gosto musical dela não é assim tão difícil de ser copiado. Mas, iria sumir para onde? Uma cidadezinha perdida no meio da estrada? Isso não existe mais. Todos os lugares têm pessoas, e pessoas a irritam tanto. Pessoas são tão... pessoas. Seria melhor morrer, pular a janela, tomar arsênico, beber veneno, mas não tem coragem. Tem coragem viver, mas não tem coragem para morrer. Mentira. Não tem coragem para viver nem para morrer. Não tem coragem e ponto final. Não tem nada. Apenas uma parede cheia de pontos frios invadindo o seu campo de visão enquanto atravessa a porta o quarto pelo menos mil vezes. Tanto queria dormir. Tanto queria sonhar. Tanto queria rezar. Havia tanto o que fazer no dia seguinte – todas as coisas que deveria ter feito no dia anterior e não fez, mais as coisas do dia seguinte; pois que a madrugada nada mais do que é um período entre-dias, sem dia algum, sem definição de nada, apenas um enorme buraco negro e silencioso (também desesperador e angustiante, mas também confortável) a invadir o período entre-dias e a esperar ser expulso pelo outro dia. Precisa tanto dormir. Foi á cozinha, procurou um tylenol e deitou-se na cama. Pelo menos agora teria a certeza que iria dormir – alguma hora. Tomou mais outro, apenas por precaução. Um terceiro, porque queria dormir bastante. E dormiu tanto, tanto, que passaram-se os dias e ela ficou presa no entre-dias, na madrugada silenciosa.