domingo, 6 de maio de 2007

Um senhor negro batuca o pandeiro, entre fumaças de ônibus e carros desagradáveis, um garoto um tanto bêbado um tanto alegre, puxa o samba e um mendigo completamente embriagado toca o tamborim. Completa uma senhora loira e farta que é a responsável pelo reco-reco. Começam baixinho, cantando um samba devagarinho, meio de mansinho, assim, sobre um amor que passou. Uma mesa se entreolha - mas que barulho é essa na distinta Gávea, minha gente? - e na outra mesa, três garotos observam. Vão aumentar o som? O senhor do pandeiro se empolga. samba no pé, faz malabarismo com os dedos, samba no asfalto como se estivesse no céu, como se tivesse morrido, chegado perto de São Pedro e ele tivesse dito: bem vindo, raimundo! Agora toca o pandeiro. E ele entra, cheio de classe. O menino mais parece querer impressionar as menininhas que saem da PUC cheias de graça, e por algum acaso do destino param no depósito para beber uma cerveja - ou uma água mineral. Ainda assim, ele canta, cheio de marra, cheio de trajeitos: é o novo bezerra da silva! O volume aumenta. Mais gente chega. No primeiro momento, eles tentam ignorar, mas agora o samba chegou num volume tal que é impossível ignorar: ou vai embora ou se rende. Não deixe o sambar morrer, não deixe o samba acabar, é o que canta o menino e acompanha o reco-reco da senhora loira, farta e de roupas brancas. O Raimundo do pandeiro pára tudo: o tamborim está errado - o responsável por ele comenta, num canto de olho com uma menina próxima: é que eu bebi cachaça o dia todo, não tô conseguindo raciocionar, minha nega. Ela ri. Eles recomeçam - bota outro lugar! Ô neguinho, sabe sambar? Não é dançar, não, meu amigo, é tocar! Pô, vou tentar. Se aproxime, então, mostre todo o seu valor. Não mostra. Uma vez, duas vezes - na terceira, o pandeiro se sentou no lugar do tamborim, e o menino agora é responsável pela voz e pelo pandeiro. A mesa da frente acompanha. Uma menina faz pedidos, bate na mesa, falta a caixa de fósforos, mas nessa idade todo mundo tem isqueiro, canta a música, bate palma, e até samba. Samba, sim senhor, samba no pé, mesmo sem saber sambar, vai de porta-estandarte que nessas horas sempre se aparece um mestre-salas... Ihh, a conta chegou, deu pra lá de vinte, o samba ainda não acabou, era só a parcial mesmo, desce mais uma que agora empolgou. Pra pisar nesse chão devagarinho... Outras meninas chegam: algumas com cara de barbie, outra de suzy, outras de ana maria braga. Encostam, vão falar com o mocinho de voz de da silva, ele não liga, quer mais é beber e cantar - fumar não, que a voz vai embora - e elas ficam, de mini saia e salto agulha, sem entender direito o que é aquilo, porque aquele homem com cara de feio, com cara de velho, com cara de pobre está no meio do bar, está no meio da roda, está com um pandeiro e não está prosa, está rindo e está sambando. E vão se afastando lentamente para não ser contaminadas pela feiúra, pela pobreza e pela velhice daquele pandeiro, daquele reco-reco e daquele tamborim. Êta, passou das onze, tem que pegar o ônibus, mas só mais uma música... que nada! O ônibus não espera, mas o samba continua - a cerveja gelada, o samba no ponto e o riso na cara, em meio a fumaça do ônibus, em meio ao desprezo da saia.