domingo, 10 de janeiro de 2010

estava andando na rua e o corpo de uma mulher reunia homens e velhos, mulheres e crianças. coberto por um saco plástico - ainda assim, via-se que era mulher. já li alguns estudos sobre suicidas que dizem poder ler os últimos pensamentos da pessoa a partir da maneira como ela cai no chão. a mulher, de 27 anos (ouvi a conversa no elevador, entre os policiais), havia caído com a barriga para cima e as pernas abertas. os pés torceram com a queda. matou-se como um anjo - foi à varanda do shopping com a vista mais bonita do rio de janeiro, subiu no parapeito, sentou e abriu os braços.

o prédio da minha mãe, em salvador, nunca teve essas bobagens territoriais - quem é você, aonde vai, com autorização de quem. normal, normalíssimo ser acordada por amigos ou receber uma campainhada (a versão caseira da buzinada) quando me atrasava. mas por essa falta de desconfiança, o prédio virou lugar de suicidas. mulheres suicidas. elas entravam, iam até o 14º andar e pulavam pela janela no corredor. após a terceira, o síndico instalou ordens nazistas de entrada: cada morador possuía uma lista de quem entrava e quem saía. o convidado chegava, ficava parado no primeiro portão, esperando o reconhecimento por voz. caso a pessoa não estivesse ou não atendesse o interfone, bye bye. volte outro dia. farmácia, pizza, médico em emergência? tinham que ser atendidos do lado de fora. ninguém sabe até onde vai a loucura de um suicida. a ameaça pode aparecer fantasiada, alardeava o síndico.

enquanto todos os moradores abraçaram as medidas - com mais veemência aqueles com o carro sujo de miolos -, pensava a todo tempo que o síndico estava tirando a liberdade dessas mulheres (uma doméstica, uma amante abandonada e uma dona de casa com três filhos) de fazerem o que bem entender com as próprias vidas.

isso voltou à cabeça hoje, quando vi jornalistas ávidos por sangue - abutres - e pessoas desesperadas (por quê minha gente? se você não é da família, controle-se.) à volta do saco plástico preto.

mulheres.