quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Fiquei quinze minutos procurando as chaves na bolsa. O porteiro me encarava com um pacote de cartas na mão. Filho da puta. Não podia levantar a bunda da cadeira cinco minutos. Finalmente achei as duas chaves. Bolsa de mulher é realmente um problema, ele disse, quando me entregou as contas. Uma atrasada, de quinze dias. Outra para pagar, dali a quinze dias. Assim que virei a maçaneta, um gato tentou fugir em direção à luz – a lâmpada da sala queimou e eu ainda não tive saco de trocar. Tempo. A ração deles tinha acabado, era hora de fazer tudo novamente: colocar a chave na bolsa, trancar a chave de casa, descer os três andares de escada para não me sentir uma completa sedentária, bater a porta da rua. O mercado estava, como sempre, insuportável. O casal da frente comprava duas coca-colas de três litros. O que vão fazer com tanto xarope, meu deus? Uma orgia de cafeína e cola? Beber coca-cola até perder a visão e ficar rodando no mesmo eixo? A menina das bochechas rosadas de espinhas e cabelo mal pintado de loiro comprou um saco de pão-de-queijo, duas dessas coisas geladas de chocolate, e pó para fazer chá. Eu estava na fila com um saco enorme e estapafúrdio de ração rosa, desejando ardentemente umas jujubas ao lado do caixa, e algumas pilhas. Mas sem dinheiro. Voltando pra casa, ainda pensei em comprar uma caixa de chocolates, uma grande caixa de chocolates brancos para entupirem minha boca, exatamente como uma rolha, e evitarem o vexame de um inadequado grito no meio da rua. Mas eu precisava. Gritar. E não queria gritar na minha casa, poderia assustar os vizinhos, e muitas vezes eu preciso deles, especialmente quando esqueço as minhas chaves de madrugada. O meu objetivo, nessa noite, era apenas um: dormir. Irrestritamente. Começar às oito da noite e terminar oito da manhã, já que na sexta-feira eu posso me dar ao luxo de dormir até mais tarde – o horário da faculdade deixa. Então, depois de chegar em casa pela segunda vez, tranquei a porta duas vezes e me joguei na cama. O telefone tocou. Era minha mãe. Infelizmente esqueci de tirar o cabo da linha, e o barulho do aparelho me cria uma culpa de ser um acidente mundial e apenas eu não estar sabendo. Saia de casa, precisamos de você nesse mesmo minuto. E eu dormindo. E ouvindo tudo isso. Depois que eu atendi, e a minha mãe reconheceu a minha voz, não havia mais muita a coisa a se fazer – ela queria conversar sobre meu tio, arquiteto sem talento para ganhar dinheiro, que estava se separando de uma psicótica mas que sustentava a casa. E que ele tinha pedido dez mil pra ela. Eu não tenho coragem de pedir quinhentos a ela. Não que ela seja pobre, mas são princípios. Não se pede dinheiro a mãe depois que se sai de casa. Nem que se esteja passando fome. Não dá. Depois o cara me ligou para falar de um emprego, e eu tô aceitando qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa. Durante a tarde eu ensaio as frases chaves para mandar meu chefe à merda e eventualmente quebrar alguma coisa na saída. Ah, como é confortável ser covarde e receber o tradicional café na xícara vermelha às cinco da tarde, e depois o contra-cheque depositado na conta todo mês, na data certa. A covardia é o meu bem maior, é a minha toalha branca pendurada nesse banheiro sujo e coberto de jornal. Não há qualquer orgulho nisso, há pena e um certo lápis de olho. Toda a questão está desenvolvida em dois pontos: eu quero viajar. E não tenho dinheiro. O telefone tocou de novo. Uma gravação infeliz acerca da conta não paga de quinze dias atrás. Tentei mandar à merda mas ela não escutou. Acho melhor descer, tomar uma cerveja. Vou fazer isso.