sexta-feira, 28 de março de 2008

Chega de saudade

O olhar da Laís Bondaksky sempre me interessou. Sua lente procurava o humano, mesmo diante das mais animalescas situações. Mesmo dentro daquela seara de filmes com temáticas realistas e violentas, ela se virou para o lado de dentro. Na mesma hora, me vem à cabeça o SoCine do ano passado, quando uma senhora disse que Bicho de Sete Cabeças fazia uma caricatura dos manicômios, e a pré-estréia de Meu Nome Não é Johnny, quando um garoto discutiu com Mauro Lima, completamente blasé, sobre seu filme não realizar uma crítica mais contundente da situação manicomial brasileira - e, por isso, Johnny ser fútil. Lembro-me também da Laís, na época do lançamento de Bicho, dizer 'que bom que as pessoas estão discutindo a situação dos asilos no país, é realmente importante trazer à tona esse assunto, mas o que mais me interessou no livro (originário do filme) foi a história desse cara, sem nenhum entendimento da família, sem base, que por fumar um baseado passou por essa coisa toda' - ou algo desse tipo.

A meu ver, a diretora nunca quis levantar uma bandeira ou fazer uma análise sociológica - nos limites do possível da sétima arte, veja bem - dos manicômios, diferente de muitos filmes advindos dessa época. Foi importante, claro, para os cineastas, os roteiristas, e o público pensarem, analisarem, descobrirem o lugar em que vivem. Agora, chega. É hora de novos rumos. Tempo de fazer um novo cinema, um outro olhar, uma câmera virada mais para dentro - não para as favelas ou para os subúrbios nordestinos, mas para o ser humano.

Fui assistir a Chega de Saudade com toda essa bagagem de expectativas. Esperava ansiosamente. O filme não é sobre o clube Chega de Saudade, nem sobre a banda Lua de Prata, e muito menos sobre São Paulo. É um filme sobre pessoas, sobre sentimentos. O que transborda ali na tela e vai para os espectadores é emoção: mágoa, arrependimento, dor, ciúme, nostalgia. Pessoas que poderiam estar em qualquer parte do mundo, porém estão ali, no clube Chega de Saudade, em São Paulo. E por estarem ali, talvez, pensam e sentem daquele jeito. O 'marrentismo' de Marquinhos é tipicamente paulista. Mas não seria também.... universal? O ciúme de um homem apaixonado? Para ser universal, fale de sua aldeia. Laís conduz essa máxima com destreza.

Não apenas ela, claro: o roteiro de Luís Bolognesi e a montagem delicada de Paulo Sacramento compõem o quadro. A fotografia do onipresente Walter Carvalho fala em amarelo, vermelho e azul aquilo que as palavras não dão conta. O brilho no olhar de Bel. A dor de Marici, e sua força vinda de dentro. O desespero de Elza. E o belo casal, ah, que casal, formado por Álvaro e Alice. Leonardo Villar, que tanto me hipnotizou em Pagador de Promessas, conseguiu o mais atento dos meus olhares. Ele enche a tela quando aparece. Cada veia fala, chora, se arrepende. Como queria virar o rosto, fechar os olhos, a cada vez que Alice o observava, cheia de desilusão.

Chega de Saudade é um desses grandes filmes que parecem pequenos, bem pequenos, tamanha a modéstia. Não faz estardalhaço, não tem perseguição na Av. Paulista. A Laís conseguiu fazer a Elza Soares ser sutil, caber na tela. Ela que é tão expansiva, tão dona de si, tão cheia de vida, que quando pisa num palco parece que triplica o tamanho, consegue caber na tela, e ainda a dividir com alguém.

Não vejo tv, raramente leio outdoor e às vezes ouço um rádio. Ou seja, não sei a quantas anda a publicidade do filme. Espero que não esteja vendendo uma idéia errada, pois, na minha sincera e modesta opinião, a beleza está na sutileza, algo ainda a ser descoberto pela maioria dos cineastas desta terra.