terça-feira, 18 de março de 2008

Minha mãe tem grandes olhos castanhos circundados por azul-marinho. Herança do meu avô e seus olhos azuis arregalados - se contraem apenas para sorrir. O único a ter olhos claros na família foi meu tio, e, conseqüentemente, meu primo. Mas a característica de manter os olhos bastante abertos se mantém em todas as gerações.

De vez em quando, minha mãe grita lá no quarto. Não importa que diabos esteja fazendo; um livro, o trabalho da faculdade, um peixe assado - a ordem é para largar tudo e ir onde ela está. Meu corpo se joga na cama de lençóis incansavelmente brancos e ficamos, as duas, de narizes encostados: ponta com ponta. Sem falar nada. Consigo ver cada minúsculo ponto, formador do círculo azul-marinho, a borda das duas íris tão marrons. O problema é que as duas bolas crescem de tal maneira que assumem proporções quase metafísicas. Sou a primeira a virar o rosto para o outro lado.

Ela fica me olhando por mais algum tempo - para mim, parecem dias - e volta a ler o seu livro. (Nesse dia ela lia 'Aos meus amigos', cuja capa é profundamente vermelha e acabou por formar um moisaco de cores estranho, quase bizarro). Eu fico um tempo em silêncio, e algumas vezes pergunto "o que foi"? "Nada", ela responde, "queria apenas a sua presença".