sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Jornalismo por um fio

Em Quase Famosos, o aspirante à jornalista William Miller é enviado pela Rolling Stone para cobrir a turnê da banda Stillwater. Durante as viagens, ele liga para seu editor resumindo o andamento da matéria. Tudo acontece pelo telefone – inclusive a sua contratação – e, por isso, quando a equipe da revista o vê pela primeira vez, um garoto de quinze anos com sua montanha de post-its, nos quais escreveu a reportagem, ele é demitido.
Este foi o exemplo encontrado por João Marcelo Erthal, 34 anos, solteiro e sem filhos, para ilustrar a sua rotina de trabalho: ele mora no Rio de Janeiro, e a revista Carta Capital, na qual é editor-repórter, fica em São Paulo. Não tem escritório. Sua conta de celular em agosto foi R$ 980. O telefone fixo: R$ 600. E isso porque ele ainda usa Skype.
A lembrança do filme não foi à toa: Erthal se diz frustrado porque nunca se dedicou à escrita de roteiros. Ele pensa por algum tempo e repete o desabafo feito por José Carlos Bardawil a Luciano Suassuna em sua entrevista-biografia: “Todo jornalista quer escrever. Quem diz que não está mentindo. Mas, o jornal consome todo o seu tempo”. E, apesar de ter saído do Jornal do Brasil – seu primeiro emprego e onde ficou dez anos -, ainda sente falta da redação de um jornal diário.
Falar destes dez anos não parece fácil para João Marcelo. Para falar do começo, sorri e arregaça as mangas, como se fosse falar de um velho conhecido: “Eu não sonhava em ser jornalista no JB. Fazia publicidade na Hélio Alonso e me apaixonei por uma menina que fazia jornalismo. Passei a gostar mais das aulas dela que das minhas. Na época da prova do estágio para o Jornal do Brasil, não pude fazer porque tinha sofrido um acidente de carro. Entrei depois, em uma dinâmica de grupo – e que ironia, me colocaram para trabalhar na Carro & Moto.” Mas, quando uma aluna pergunta o motivo de ter saído, pensa, gesticula muito e resume: “Estresse e falta de perspectiva”.
Durante o tempo que ficou no JB, era conhecido como o rei do trote. Ligava para os colegas como se fosse o chefe de redação, Ricardo Boechat (hoje, apresentador do "Jornal da Band", na TV Bandeirantes), e inventava pautas. Pedem para ele imitá-lo. Erthal fica vermelho, diz que não. Mas, acaba não resistindo. “Porque teve uma vez que – o Boechat fala assim, né? Apertando a orelha. Teve uma vez que a filha dele ligou, pedindo para ir à Teresópolis, e ele na redação, aquela pressão, segurando o telefone em uma mão e apertando a orelha com a outra. Não. Não. Não. Até que ele encheu o saco e disse, com aquela voz soturna do Boechat: ‘Só não seja estuprada’”.
Depois de sair de lá, enfrentou um dos pesadelos do carioca: mudar-se para São Paulo. O que mais gostava na cidade, diz, era ir para Congonhas e pegar o avião para o Rio. Lá, trabalhou na Celulóide, agência de conteúdo – uma empresa que procura formas de aproximação de uma marca com as pessoas, como a Revista Oi. Para ele, foi interessante ver o outro lado do jornal: o da publicidade: “Existe essa separação entre Igreja e Estado, jornalismo e publicidade, e na Celulóide pude entender melhor o processo: é muito dinheiro envolvido, os detalhes são enormes.”
Com a experiência de empresário de comunicação, nasceu o Av. Central: um jornal mensal e gratuito com matérias de cultura, que foi criado junto com os jornalistas Ulisses Mattos, Bruno Sansone e Carlos Braga. Apesar de não ter dado nenhum lucro, ele acha que o Avenida foi bem sucedido: teve uma independência editorial e financeira.
Erthal olha para os lados, esfrega as mãos – teria mais alguma coisa para dizer? “Vocês não vão conseguir escrever um perfil sobre mim só com isso. Tem que perguntar mais”, diz para a sala. Um aluno pergunta se há pressão na Carta Capital para escrever determinado tipo de matéria. Ele diz que não, que há total liberdade de pauta dentro da revista – mas, sempre seguindo a linha editorial da Carta: “Tudo vira conflito rico versus pobre, tudo tem que ter por trás o peso das oligarquias, ou seja, é uma liberdade vigiada”. Mas, João Marcelo, você apóia incondicionalmente o governo Lula, como faz sua revista? “Lula foi muito importante para o país. Mas, eu, classe média, estou perdendo muito com ele. No fim, eu acho que a imprensa deve ser clara”.
E se William Miller precisava procurar debaixo dos colchões as moedas para ligar para a redação, este não é o problema de Erthal: a Carta o reembolsa pelas suas contas de telefone.