quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Eu queria ser artista plástica. Queria saber pintar um quadro com todas as cores do seu rosto. Cada músculo que se mexe são novas cores surgindo e que formam novas formas e imagens - e elas vão se dissolvendo pelo quarto, se esfregando nas paredes - você se esfregou em mim, e agora tenho seu cheiro. Teu cheiro empesteado pela casa, pelo meu queixo, pelo meu sofá - teu cheiro guardado na minha blusa, que eu joguei ali na gaveta. Você sempre vai embora e deixa tudo bagunçado: a cama continua feita - esta tua mania perfeccionista de não tirar nada do lugar -, e ainda assim, tem alguma coisa diferente. Tudo está diferente. É o seu cheiro que impregnou as paredes pintadas de cinema da minha casa. Engraçado que a última vez que você veio não tinha o Antonioni ainda. E você parado ficou, olhando. Parecia que iria engolir o pôster de Blow-Up. Não sei pintar. Não sei falar. Milhares de coisas passavam pela minha cabeça, mas nada ficava: passou canção, passou show, passou programa, passou livro, passou fulano, passou amor, e nada ficou. Só escutei. Escutaria para o fim da vida. Não sei responder às suas perguntas. Sou burra. Fico burra. Esqueço de tudo. Minto que sei. Digo que esqueci. Só para te escutar mais um pouco - só mais um pouco, mas falta tão pouco para você ir.

E, no fim de tudo, eu volto a ficar sozinha. Me escondo nos cobertores que é para não sentir a sensação do seu cheiro indo embora aos poucos. Agarro-me aos pincéis que ainda não tenho para desenhar no meu ar, teu rosto e apenas ele. Com todas as cores. Com todas as formas.