sexta-feira, 19 de setembro de 2008

As pessoas ainda insistem em confundir cinema com romance-em-imagens. Literatura e cinema são duas linguagens completamente diferentes - e que bom ser assim, cada qual com sua especificidade e seu léxico. A genialidade de uma adaptação literária está no roteirista e no diretor entenderem qual o propósito daquela obra e transportarem para outra linguagem sem perder de vista o sumo inicial. Muitos, mas muitos mesmo, diretores caem na esparrela de simplesmente copiar o texto inicial, apagando passagens. O resultado é um bando de espectadores frustrados que saem do cinema com a frase: "o livro é muito melhor que o filme".

No caso de Ensaio sobre a Cegueira, esta é a visão do roteirista Don McKellar (que também atua como o ladrão, o que rouba o primeiro cego) e de Meirelles sobre o livro. Se eu quisesse ver - VER, estamos tratando de cinema, não de literatura - a idéia de Saramago sobre sua obra, eu dava uma câmera e US$ 10 milhões para ele.

O livro é mais cruel, nojento e pessimista que o filme? Sim. O espírito final do Ensaio é que a solidariedade entre as pessoas pode superar os instintos animalescos - a visão de Meirelles acerca do livro. Se os direitos fossem entregues a Danny Boyle, por exemplo, o diretor de Trainspotting e Extermínio, extremamente niilista, sem nenhuma crença no ser humano, muito menos em sua redenção, centraria sua câmera na violência e no pessismo. Sem qualquer esperança.

Além disso, Meirelles respeita o público ao não expor de maneira pornográfica os excrementos, a sujeira e o estupro coletivo. As cenas estão lá, a ação está lá - mas fotografada e dirigida de maneira ao público imaginar o pior. Ele não entrega de bandeja, ele mexe com a imaginação de cada um - um cinema inteligente, finalmente.

Abraços,

L.