sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Incrível como o recente cinema paulista tem se sobressaído ao cinema carioca. Desde a retomada do cinema nacional, o que se vê são filmes atolando-se na mesmice da favela carioca enquanto diretores/roteiristas como Beto Brant, Marçal Aquino, Laís Bodansky, Heitor Dhalia, o recém-adotado paulista Murilo Salles e o mais novo na área, Reinaldo Pinheiro, buscam incorporar São Paulo em seus personagens.

"Era uma vez", do Breno Silveira, e "Nossa vida não cabe num Opala" são a perfeita representação desse contraste entre as duas galerinhas cinematográficas (o que também é uma distinção - enquanto aqui no Rio existe a panela da Conspiração, Leribe e Globo Filmes, em Sampa, a produção cinematográfica é uma grande teia de produtoras envolvendo, inclusive, dinheiro do Nordeste e de outros países; além, claro, do enorme incentivo que o governo paulista dá para produções que falem de São Paulo, para o bem ou para o mal): enquanto o filme do Breno é a maior porcaria surgida nesse filão de cinema de favela, "Opala" é uma sensacional obra em quadrinhos filmada.

Ambos os filmes se utilizam de clichês, certo? Mas enquanto "Era uma vez" os lambuza com mel e aveia, e acredita que a simples existência deles conquista a platéia, sem a necessidade de um roteiro coeso e uma direção segura, "Opala" dança com o clichê de boxeador, do irmão imbecil, da menina certinha que vira prostituta. Engraçado que ambos os filmes bebem na fonte de Shakeaspeare - o filme do Breno é um Romeu e Julieta no Cantagalo chupado, sem nenhuma originalidade. Já Reinaldo Pinheiro pega Hamlet e subverte, transforma, ironiza - afinal, a relação entre literatura e cinema não deveria ser essa?

Os cineastas/roteiristas/produtores cariocas caíram no esparro do gênero - alô, Hollywood já fez isso, e percebeu que não dá certo. Inclusive ela percebeu há anos atrás. Diversificar a produção cinematográfica é o primeiro passo para a construção da tão sonhada indústria brasileira - mas como fazer isso se as principais apostas das produtoras cariocas são em um único gênero? Para esse ano, mais duas produções vão estrear sobre a problemática das favelas. Além de "Show de bola", filme em que o Thiago Martins - o Romeu do Cantagalo - aparece novamente. Entendam-me bem, eu não sou contra Cidade de Deus - um dos meus filmes prediletos e que foi definitivo, mais do que qualquer Glauber Rocha, para dar um pontapé na identidade brasileira -, sou contra a repetição desse mesmo modelo ad infinitum. E como diz Walter Benjamin, gente, toda repetição em massa perde qualidade.

Enfim, vão aos cinemas, vejam "Nossa vida não cabe num Opala", aplaudam Leonardo Medeiros numa interpretação sublime de como um festival de clichês pode se transformar em um personagem interessantíssimo, entendam por que Maria Luísa Medonça ganhou o Calango de melhor atriz em Recife e ouçam a interessantíssima trilha sonora escrita pelo Mário Bertolotto, escritor também da peça que deu origem ao filme. A fotografia é despudoramente marginal, e a montagem é um detalhe à parte - um sopro de criatividade em meio a essas montagens feijão-com-arroz da Globo Filmes.

Abraços,

L.