domingo, 13 de julho de 2008

(publicado no portal do sidney rezende)

"Olhos atentos às estranhas formas que vão criando corpo, cor e, por último, movimento. As mãos formigam querendo tocar os personagens feitos em massinha, e se tornam selvagens ao dirigir o carro em terceira dimensão - essa é a 16ª edição do Festival Internacional de Animação do Brasil, o Anima Mundi.

O primeiro dia, sexta-feira (11), não estava tão cheio quando no sábado (12) - mas foi suficiente para encher a primeira sessão da mostra competitiva de longas-metragens: Belawars, uma animação em 2D baseada no livro "Guerra Dentro da Gente", o único livro infantil do poeta Paulo Leminski.

Baita, filho de um casal de lenhadores pobre, sempre teve o desejo de tornar-se guerreiro. Ao encontrar-se em uma ponte com um misterioso mestre, Kutala, que lhe propõe aprender a arte da guerra, o menino foge de casa para enfrentar o mundo: é vendido como escravo, vai trabalhar no circo alimentando animais e comanda uma guerra, até descobrir que os valores mais importantes são o amor e a paz.

Paulo Munhoz e Érico Beduschi adaptaram a obra para a linguagem de história em quadrinhos, dando mais agilidade e dinamismo ao filme. A violência da guerra e as lições aprendidas por Baita ao longo de sua vida estão bem equilibradas - a animação não tende nem para um nem para o outro lado.

No sábado (12), o Centro Cultural do Banco do Brasil e a Casa França-Brasil estavam lotados. Ávidas crianças carregavam pais e avós para conhecer as oficinas no Estúdio Aberto, especialmente a Pixilation - técnica de stop-motion, que consiste em pessoas de carne e osso realizarem movimentos enquanto são gravadas quadro a quadro, formando uma animação. Lembram do clipe "The Hardest Button do Button", do White Stripes, em que Jack e Meg White passeiam por escadas e parques enquanto tocam? Foi todo feito por pixilation. No espaço do CCBB, máscaras, caixas, nuvens - havia um enorme acervo disponível para o público brincar e poder criar seu próprio mundo animado.

Outra oficina também disputada foi a que permitia à pessoa entrar na animação - sensores espalhados pela sala reconheciam os movimentos e transportavam para a tela, onde a criança interagia com siris, televisões, bolhas de sabão e tomates. (A brincadeira não era restrita às crianças, mas foram elas que dominaram o salão - os adultos ficaram um pouco tímidos.)

No horário da exibição da mostra competitiva de curtas-metragens, mais fila. Essa ia da entrada da Praça Animada - entre a Casa França-Brasil e o Centro Cultural dos Correios - até a entrada do CCBB: sessão lotada. Oito curtas dos mais diversos países foram exibidos: República da Coréia, França, Reino Unido, Estados Unidos, Bulgária e Brasil.

O primeiro, "Eden", de Hye Won Kim, veio com um olhar diferente para um tema já bastante mastigado: a indústria do consumo e a proteção dos animais. O curta divergiu opiniões - alguns acharam a violência de determinadas cenas explícita e desnecessária, outros a aplaudiram como animação eficaz e precisa, sem ser pedante, sobre o consumismo.

Em seguida veio um bobo filme, "O Trambolho", de André Rodrigues, sobre os infortúnios causados por um enorme celular analógico, parecido com os primeiros que chegaram ao país no início dos anos 90. Algumas risadas, nenhum aplauso. "Quidam Dégomme", de Rémy Schaepman, é uma belíssima fábula sobre como é mais seguro prender-se à realidade que deixar-se levar pelo lirismo encontrado no cotidiano. Um belo dia, ao jogar seus olhos cansados no prédio vizinho, um garoto observa uma alegre cabra estendendo seu colhão verde no terraço. Esse é o estopim para que toda sua vida se transforme, e seres mágicos adentrem o metrô, a escola, a vida. Mas ele acaba optando pela segurança da realidade em preto-e-branco.

"Yours Truly", de Osbert Parker, é um filme noir que junta carros em miniatura, figuras do cinema, diversas imagens - enfim, uma animação feita a partir de diversos recortes, e que funciona muito bem ao contar a conturbada e trágica história entre os amantes Frank e Charlie. Já "Sensorium", de Karen Aqua e Ken Field, resgata a mágica relação entre música e animação - quem nunca viu "Fantasia?" -, e foi ovacionado pela platéia. "Pojar", de Bilyana Ivanova, usa do humor para criticar uma sociedade baseada em sexo e dinheiro e também dividiu o público: enquanto alguns acharam o filme bem - humorado, irônico e contundente, outros o consideraram apelativo e sádico.

"Bernie's Doll", de Yann Jouette, foi o preferido da noite, junto com "Yours Truly". O curta conta a história de Bernie, operário sem vida, que decide comprar o "kit mulher do terceiro mundo" pela televisão - mas o programa vende apenas partes separadas do corpo, e ele precisa trabalhar cada vez mais para montar sua companheira. O final surpreendente e o refinamento da animação em 3D conquistaram os espectadores.

Por último, foi exibido o "Dossiê Rê Bordosa", de César Cabral, que tenta entender porque Angeli matou uma de suas criações mais famosas - a diva desbocada Rê Bordosa. O curta é um documentário em massinha - com cenas da vida da musa underground - e chamou atenção pelo delicado trabalho de composição: quando os créditos sobem, são comparadas as cenas reais e as de animação, e o trabalho é surpreendente. Os diretores realmente conseguiram copiar todos os trejeitos de seus entrevistados, e criam seqüências deliciosas, deixando um gostinho de "quero mais quinze minutos de Rê Bordosa".

O Anima Mundi fica até 20 de julho e está espalhado pelo Centro Cultural Banco do Brasil, Casa França-Brasil, Centro Cultural dos Correios, Cine Odeon, Estação Botafogo, e Oi Futuro. Os ingressos custam entre R$ 6 e R$ 3, têm meia-entrada, e podem ser comprados antecipadamente."