sexta-feira, 15 de junho de 2007

Renata entrou na sala onde o furtado ia dar uma palestra, e ele estava lá, esperando. Nas coisas técnicas, você sempre chega adiantado. Nas suas palestras, nas suas aulas - aquela vez você saiu daqui de casa às cinco e quarenta e cinco para uma aula às sete. E sempre, sempre, porra! nas visitas que você me fez, o relógio era a minha única compania. caralho. Odeio relógios, eles são companheiros dos cigarros. E você estava lá, displicentemente brincando com seu marlboro light - homem que é homem não fuma cigarro de filtro branco - olhando para a tela branca. Mal me viu, de saia bem cortada e dentes escovados. - Vou me sentar ao seu lado, posso? Acho que você fingiu um sorriso. Ela, com sua roupa de trabalho, montada e encaixotada dentro de tecidos fingindo algo, tentando imprimir uma significação a panos tãos vazios quanto ele. Danilo, com a mesma blusa de sempre - seu jeito de parecer diferente é estar sempre igual - a mesma porra da blusa branca com a pica de uma bermuda musgo. Eu saí para um cigarro, implorando aos filmes de holywood que realmente acontecessem, que os holofotes invisíveis estivessem virados para mim, pois logo após, em primeiro plano, você viria, acendendo seu marlboro light. Óbvio que você veio, mas atrasado, no meio do meu cigarro. - Olha, aquela tua fita de kids emperrou no meu videocassete, tá? Eu queria que tu fosse mulher. Queria poder te agarrar sem medo da tua reação - uma mulher nunca recusa um beijo. Tenho medo que vires a cara e dê outra tragada em seu cigarro de filtro branco enquanto aquela música de pastelão mal sucedido toca nos altos falantes. Se tu fosses mulher, acenderia teu cigarro e te chamaria epara tomar um vinho, mas tu és Danilo, inatingível entre estúpidas baforadas de cigarro light e coisas abstratas sobre fitas presas no videocassete. que tu queres, afinal, caralho? Quer que eu segure teu braço, diga que quero que você me coma logo ali, no banheiro, e depois, quem sabe, a gente divida uma garrafa de vinho tinto? Não vou. Não vou porque você não gosta do Bowie, não vou porque você acha friends ridículo, não vou porque se eu fizer isso, você vai perder o respeito de macho da espécie para com a fêmea, e eu vou me transformar em puta, em flesh. Não me importo de ser apenas flesh, mas você se importaria em eu ser apenas puta. A minha única saída é apagar o cigarro já apagado, fumar o resto do filtro, recompor a pose, girar os holofotes e sair do plano. E esperar, pacientemente, pela palestra do furtado, do seu lado. como se não o fosse.