"o mais difícil de ser poeta é não cortar os cabelos: não sair por aí a cada crise versal (provocada, momentos antes, por gotinhas de existencialismo dropping out of the sun), recortando a aparência na esperança vã de surgir um alguém novo da cadeira do cabelereiro. a arte de não ceifar a barriga quando dali não vai sair nada mesmo, nem pleonasmo nem crase nem antítese quanto mais golias saracoteando contra os davis da vida (as nossas memórias ressecadas, diga-se de passagem)."
na porta da rua augusta, manuela, a escritora em trânsito, achou os travestis da lapa mais bonitos (mais harmoniosos, o silicone é a mesma merda derramando pelos tops coladérrimos, mas as cariocas têm menos pêlos) e os labirintos paulistas mais arredios (é mais fácil se achar no rio de janeiro). cogitou entrar em uma dessas casas de molecas safadas da noite, para ver se conseguia algum dinheiro fácil, mas a coragem inicial virou vergonha três minutos e vinte segundos depois.
na descida para a consolação, pensou ter visto os cabelos ruivos de g., e apressou as botas: subiu um sangue à garganta. o que a intrigava não era saber onde ele havia estado todos esses anos ou por que (uma razão, apenas uma!) havia desaparecido da vida da escritora instável, mas uma curiosidade mórbida, uma nostalgia atrofiada, um apreço pela memória desandada: como é que ele está? (será que ficou muito fodido ao perceber que eu não estava lá?) manuela desceu são paulo a passos largos. não era ele. sem problemas: vamos dar uma volta em vila madalena, ali pela cardeal arcoverde.
quando o metrô abriu - quatro e quarenta da manhã -, manuela anotou no seu caderninho: são paulo não me ensina a fazer poesia.