segunda-feira, 11 de outubro de 2010

compro café, leite, torradas: já descobri como você gosta de uma xícara de café-com-leite quando acorda, bem doce, para espantar o bruxismo e o medo de dar tudo errado; conto, em meio aos cheiros finos e ao vinho português, infâncias inventadas, descobertas e assumidas, você me responde, cheio das ironias ensolaradas, sorrateiro e amarelo, dos calcanhares que ainda te pegam, vindos lá do norte. passo a passo, abro uma, duas, três, fechaduras: o corredor é extenso, vem uma luz azulada da janela circular e não temos pressa: ainda não amanheceu por aqui. pé-ante-pé, conto as rachaduras do teu teto e, veja lá, não ganham de uma mão das minhas: estamos quites e portugueses. decidi, agora, mudar de identidade: rasguei a cédula antiga, enterrei no quintal e virei adélia, loira e emancipada, à procura do melhor leite no mercado. me interessam agora apenas as letras amarelas, nascidas de anteontem. manchete no jornal diário: viram, assustados, gerânios em santa teresa. as palavras todas inventadas sufocaram em vilarejos perdidos à beira da estrada. tempo de inventar novos fonemas, novas sílabas: enchuvaradas, aluar-se, passaroso.