uma ligação às dez da manhã: cerveja hoje? mas é claro, quem recusa a possibilidade de uma noite sem estrela alguma, mas sem hora para acabar? deve ser efeito de amizades antigas que nos deixam (me deixa) tão emocional.
mas oito horas da noite e nada. nove e nada. onze e meia, avisto um cabeludo no metrô, de abraços abertos, sem importar-se muito com os mendigos e travestis que a essa hora já dominaram o chão da glória. ah, laranjeiras, sinto saudades de ti nessas horas.
o viralata é largado e charmoso; o charme reside nesse completo desligamento do que acontece à sua volta - estouram bombas, ele acende um cigarro e continua contando sobre como o caminhoneiro que deu carona em volta redonda estava com os olhos vermelhos de arrebite. e você se pergunta "JESUS FUCKING CHRIST, essa pessoa ainda não percebeu que o mundo ESTÁ ACABANDO?!" mas entre a opção de se render ao bombardeio e continuar escutando as histórias sobre emérson, bem. you know what i mean.
diz que tem saudade de tantos: do meu marido, dos nossos antigos amigos, dos nossos antigos terrenos baldios. não atura são paulo; em verdade, não atura lugar algum. nada contra o rio de janeiro, é só que seis meses parado em um lugar é angustiante. quer conhecer mundo, quer virar copos, ser mil em um, morrer de amor e voltar. quer contar histórias, é jornalista à moda antiga, desses que não gravam, não fotografam, não inquerem. deseja conhecer, conhecer, conhecer e contar. ele sorri e replica que no fundo eu sou assim, também. "não, não, eu gosto é de ficção".
no livro dele, aliás, as primeiras sílabas que junto são essas: "eu gosto é de ficção!". ao ler pela primeira vez, me senti uma antiga hippie LUTANDO CONTRA O SISTEMA (inclua seu riso irônico aqui), pintando frases de guerrilha sentimental ("o amor é sexualmente transmissível", "one thing i could tell you is you got to be free") nas paredes, hospedando oito pessoas ao mesmo tempo em um quarto-e-sala de 40m². ele escreve que eu choro, e é verdade. mas também diz que jamais falaria algo para não magoar ninguém - será? tão estranho me ler na visão de outros.
lá na nova casa, sentou-se, tirou os tênis, acendeu um cigarro - "tá quente demais, ô" - e tomou um susto. uma sala grande, três quartos: quem diria? fogão. "subiu mais um degrau na hierarquia, não é?", diz, sorrindo, um elogio. para uma ex-hippie, seria mesmo? tento argumentar e dizer que planejo sair por aí, viajando de carro, rodando a américa latina, filmando, fazendo documentários. (a verdade é: envelheci vinte anos em poucos meses).
bebendo, criamos planos. "vamos pegar o fusca, nós três, e ir do rio de janeiro ao chile!". em buenos aires, seremos músicos, no uruguai, venderemos poesia. no chile, encontraremos amigos. no fim, vamos escrever um livro e fazer um filme! "a saída para a sanidade está em mudar constantemente", ele me explica. vamos, vamos, que o dia já já amanhece; vamos pegar pedro e sair rodando pela américa latina. sonhos bons. porque são sonhos.
no ônibus indo para mauá, leio seu livro avidamente. ele não gosta: não da leitura, mas do resultado em si. considera "chato", "pouco jornalístico". talvez mal revisado. coloquial demais, quem sabe. eu gosto. paro, tiro dúvidas, pergunto sobre histórias que eram muito boas para caberem em uma folha de papel. a cada caminheiro que passa, ele fixa o olhar - "pode ser alguém que eu conheça".
"os melhores caminheiros são os mineiros. cariocas são marrentos. o arrebite é a droga da estrada, e o cara nao deveria tomar de jeito nenhum. mas precisa fazer a carga chegar de qualquer jeito, no menor tempo possível".
(lembro que já quis muito, como meta de vida, descer o brasil, da bahia ao rio grande de sul, de caminhão. mas o sexo é uma merda. em quatro meses de viagem, se eu permanecesse virgem seria deus descendo à terra e avisando que iria parir o novo jesus)
o que ficou marcado: julho nos encontraremos de novo. nem que seja para ir a porto alegre. pegar a estrada, sem dinheiro, tocando em churrascaria. até lá. boa sorte nessa paulicéia atormentada. não desiste até julho. (que besteira, quem disse que você é de desistir?)
os baianos do rio de janeiro mandam aquele abraço pro mineiro de são paulo.