Atenção, autoridades cubanas! Um refugiado político encontra-se no interior do Rio de Janeiro, vivendo à beira de mojitos, no alto do Rio Preto. Ainda pior: acaba de lançar um disco, em que conta causos e cositas más dos 25 anos vividos em Visconde de Mauá. "Moro em Mauá, mamãe me manda grana" foi mixado parte em Miami (as seis primeiras músicas) e parte em São Paulo (as cinco últimas).
Maestro Enrique Cubano - ou Enrique Andres Baradat Bosch, para os íntimos -, com seus óculos tipo aviador, camisa branca salpicada de flamingos, semelhante a que Tony Montana usa para se apresentar à tão sonhada América, não se acanha quando recebe a notícia de que não há troco para a nota de cinqüenta reais. Saca sete dólares da carteira e está tudo resolvido. O saquê, valor: doze reais, foi bebido à distância da esposa, Lucinda, brasileira. "Mi hijo, coloca esse negocito bem escondidito que se miña mulher me pegar bebendo, estoy fodido", pede com o sorriso de dentes branquíssimos abaixo do espesso bigode a Pedro Modercin, garçom do bar Pingo de Mel, um dos mais antigos de Maringá. (A região de Visconde de Mauá é formada por três vilas - a dita cuja, Maringá e Maromba. El Cubano mora na estrada em direção ao refúgio dos hippies e dos escritores fracassados, Maromba).
Quando chegou à "serra da fantasia" (faixa três do disco), com alguns dólares no bolso, um violão e uma novíssima esposa, trocou os pertences - menos Lucinda - por uma charrete e um cavalo chucro. Começava a temporada dos "Passeios Poéticos". Pedro, 22 anos divididos entre Mauá e o Rio de Janeiro, lembra: "Ele era a alegria das crianças. A gente pulava na charrete e ele saía cantando no português muchacho dele". A bem da verdade, o maestro não é exatamente o mestre da métrica na língua portuguesa. Mas em tempos de "Maria Joaquina de Amaral Pereira Góes / Você contribói para o meu viver", quem necessita de uma poética rigorosa? O parnasianismo está morto. El Cubano é um cronista, um João do Rio da vida mauense.
Na música que dá nome ao disco, ele homenageia Bebezão, figura conhecida na região por... Bem, a letra é auto-explicativa. "João acorda às onze horas / ele tem as condições / Com seus 38 anos / gosta de ficar à toa / Tem terrenos, carros, empregada e uma vida boa". O refrão é talhado sob medida para o hype moderninho (já se tornou a música predileta dos funcionários do Pingo de Mel): "Eu moro em Mauá / minha mãe me manda grana / Não gosto de trabalhar / Levo uma vida bacana / Eu moro em Mauá / minha mãe me grana / Sou filho de marajá / Levo uma vida bacana".
Depois de montar uma banda em São Paulo, os Pinheiros Voadores, ser professor de música no Rio de Janeiro e montar um coral de Vivaldi, renascimento espanhol e madrigais franceses em Mauá, Maestro Enrique só quer saber de sombra y tequila fresca. A charrete foi aposentada e o quintal de casa se transformou em restaurante e pousada. Antes de voltar para o refúgio, El Cubano faz questão de esclarecer: "Yo moro em Mauá, pero mi mamã não manda la grana".