aqui o silêncio é raro. há sempre um bicho ou outro a lembrar-nos de trilhos, fios elétricos ou, no último limite, do medo provocado quando se ouve patas sobre as folhas de madrugada. anteontem uma pequena onça rondou a casa ao lado; também apareceu ontem, mais ao fim do rio. a paisagem é pornográfica: olhamos, olhamos, olhamos; meus olhos se cansam e se viram para a terra. alguns cachorros, quase sempre pretos, dormem em uma sombra improvisada. aqui, brinca-se de pôr e retirar palavras. pôr e retirar lençóis. pôr e retirar arbítrios. os dias se vão (se é que alguma vez estiveram mesmo conosco). a luz se vai e quando volta talvez já estejamos em câmera lenta, com as pontas dos dedos desenhando os sulcos de espanto no ar. de todo modo, andamos demais sem ser convidados (sequer rejeitados) para nos sedimentarmos agora, aqui, nesse chão de mármore. deveríamos ter ficado em casa a assistir estranhos encenando tamanho estranho espetáculo? quem aqui entende de exposições a céu aberto é você, não eu. o preto e branco do gato desperta: é preciso sempre desconfiar da eletricidade. ou um bicho feito de sal, também pode ser. deveria falar de raízes mas me perco espreitando o vão entre as duas tábuas de madeira a que chamam porta: a fresta é composta de um continente verde. todos os mistérios do mundo estão ali mas meus dedos não são finos o suficiente para atravessá-la. resta-me olhar. como uma prancha de felicidade numa vila que não fala bem de felicidade.