segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

eu tenho uma cartomante. tinha, na verdade. ficava ali, numa rua em botafogo, de costas para o túnel, de frente para o mar sagrado dos prenúncios da ilusão. a lista de espera é longuíssima - antecedência de, pelo menos, três meses. há muitos cariocas necessitados de certeza na vila de são sebastião do rio de janeiro.

a consulta seria hoje, às nove da manhã. confirmada, aguardada, ansiosamente esperada. o caderninho repleto de perguntas. da última vez que eu fora, a cartomante me passara uma lista de tarefas (não basta saber do futuro, há ainda que se trabalhar arduamente no presente) e, como boa menina criada em colégio católico, iria apresentar a notinha fiscal com quatro das cinco penitências cumpridas.

mas daí que surge são paulo & o amor. e tudo desaba diante daqueles olhos desafiadores do asfalto. além do mais, para que serve uma cassandra furiosa quando se pula de mala & cuia no vendaval dos braços de um homem?

enraivecida, a cartomante ainda é moderna: manda uma mensagem de celular avisando que jamais, sob hipótese alguma, poderei retornar a ela. não se despreza assim uma clarividente, sem sequer avisar da mudança de planos. (ora, se ela tudo vê, não teria também previsto a ausência?)

com um sorriso nos lábios, comecei a segunda-feira: muito melhor que o futuro é descer a rua augusta.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012



dentro de cada pingo d'água cai uma lembrança

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

amor de ma vie: a falta de notícias não foi intencional
(sequer relapsal)
a labuta anda me exaurindo os dias
outro dia, narrando você
te descrevi como o 'elegante menino
criado em paris'
e agora você me aparece, na rue st. honoré
num café minúsculo e simpatico
com o nome genérico de saudade

entretanto, je t'aime

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

eu vivo das pequenas saudades
que brotam
nos lápis
nas xícaras borradas de café
na unha carcomida
mas principalmente
a pequena saudade
(residente fixa)
do bilhete que você deixou
na segunda gaveta da mesa
pra avisar do mouse emprestado
(do dia roubado)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

(pausa para a poesia dos outros)

"A Música Segundo Tom Jobim", do Nelson Pereira, é uma doce felicidade percorrendo o coração.



Tem problemas? Tem problemas como a vida tem problemas, como é da vida virar uma esquina antes de entrar na rua certa. Como é da vida esquecer as chaves ou exagerar na fábula para conquistar o menino ao lado.



Mas nada se compara à felicidade de ver e ouvir a música de Tom. A emoção de Sabiá. Wave. Águas de Março - salve, Elis. E pela delicadeza (e audácia) de falar de Tom Jobim na língua de Tom Jobim: não há espaço para o especialista, a tia, o papagaio, o fã e todos esses tipos que infernizam e pipocam por aí

. A música e tão somente a música é a rainha, completa e azul, descortinando cada pedacinho de alma. Um suspiro de felicidade em meio a um cinema que anda tão repleto de dados & informações.



Minha mãe, apaixonada como sempre foi por bossa-nova, quando era apenas uma bela menina baiana estudando literatura no Rio de Janeiro, uma vez sentou num bar no Jardim Botânico, justamente atrás de Tom. Sozinho, bebia e tentava compor uma música, no papelzinho. Ia pra lá e pra cá, cantarolando. E assim a tarde caiu: minha mãe, café atrás de café (sim, mamãe bebia café em bar), observando o mestre em ação. A melodia, ela reconheceria depois, era Lígia.



Pouco importa se é verdade ou não: essa é a história mais linda do mundo.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

dessa estranha mania do pertencer

os pertences ficam por aí, soltos, largados, como se vontade tivessem de correr mundo. nunca vi espalharem-se tanto. a mala em são paulo foi devidamente recuperada, pois sim - mala esta desossada por um um cruel, crudelíssimo guichê da alfândega italiana -, mas falta recuperar os livros - a coleção completa de graciliano -, o discos - ah, transa, como você me fez feliz um dia -, as pastas de documentos, as autorizações de imagem. os quadros. aquele que você detesta. juntar, caquinho a caquinho, todas os mínimos espalhados pelo quintal. estendê-los ao sol, curá-los do mofo. sair à cata dos papéis perdidos - onde foi parar o passaporte mesmo?

e você ainda me fala em permanência.

domingo, 15 de janeiro de 2012

lembrar de marcar o oftamologista:

são necessários óculos escuros
para enfrentar a rua

retinas desprotegidas e sinceras
consomem muitos sonhos
"alfredo encharcardo de sonhos, de imaginação"
poesia se faz pelas beiradas
com os dentes à mostra,
mãe

de quereres já cansados
um navio enrodilhado
o salto inabalável que grita:
vem

tão somente o que há, mãe
são os pássaros

trôpegos de delicadeza
trazem notícias do além-mar
com o tinto cheiro das ilusões

(agora que estou em terra
as folhas não desabrocham)

hoje é dia dezesseis, mãe
e tenho como meta
colocar a vida nos eixos
a trilha nos eixos
a cabeça nos eixos


a poesia é um vagão
o trem que parte
sou eu

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

doismiledoze começou num recanto sereno, embalado por horizonte e plumas. quem jurou jamais atravessar o estado da bahia novamente se vê agora enrodilhado em meio à fome das gaivotas. a revoada tem fome, anima, vê. estribilho das gaivotas: você morando no meu corpo.

recife, só à noite - durante o dia, apenas vi o mar. mar bicolor (como os sapatos de seu arnaud): azul, azul, azul - e de repente, a invasão gutural do verde. doce irene a nos guiar: irene no céu, irene anjo, solanjo.

e eis que agora dei para te visitar todas as noites - não obstante agarrar-me aos teus braços, corro pelas areias do teu barco; de soslaio, invado com tintas os teus arrabaldes. cubro de vermelho a lindinha do rio e em ti, guardo outra palavra: horizonte.

pulemos no vazio, então. venha, segure a minha mão. esqueça as gravatas e os chapéus (especialmente os pretos e os brancos de faixa azul); segure este relógio das horas que ainda não vivemos; traz apenas tuas canetas, para desenhar, nestes brancos dias, o medo que se perdeu.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Há tempos não escrevo um verso.
As costelas têm me roubado os dias.

Há esse homem - Francisco - que teceu um
rastro de horizonte
em minhas mãos
(bem como costurou algumas
palavras
- e céus)

Pois que Francisco é dono de
muitos ventos e muitos vícios

E me jura ser impossível morrer
de amor
sob a urgência das
gaivotas.

E nele, vou-me embora.