segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

como tá sua mãe você soube que raquel engravidou? mas diabo, afinal, o que você tá fazendo com esse homem? - o disparo, o disparo, preste atenção no disparo - sonhei com você: uma estilista linda, de cabelos curtos, e agora você me aparece aqui com esses parcos fios! (mais uma garrafa de vinho) gosta dessa tinta azul nas unhas? a noite anda veloz adoro seus olhos quando você bebe - aliás, a gente se conhece há quanto tempo? te contei do meu novo garoto? ele é lá do rio - mas sabe o que mais me impressionou no filme? porque ele é sobre a gente.
- mãe, onde viver é útil?

- filha, é como diz bandeira:

a vida não vale a pena e a dor de ser vivida
os corpos se entendem
mas as almas não
é melhor dançar um tango argentino

mas daí você vai fazer o quê?
a linha percorre saltos
te encontro depois, às cinco,
quando estiver mais calmo
- tudo bem?

lembra quando tínhamos os lábios ardidos

mas o projetor de super-8 continua
na mesma posição
- e sua mãe, como está?

da lição de francês, guardei o pior: comme ci, comme ça

aquele azul, límpido
cerrilha a madrugada

a verdade, meu caro, mora nos círculos:

- foi onde guardei a prova elegante
do teu salto mesquinho.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

ah, falta pouco, mas falta tão pouco para o azul se esvair em vermelho.

domingo, 19 de dezembro de 2010

tento inutilmente te escrever um verso onde tu não cabes.
eu escrevi: uma frase, duas, três. coloquei pontos, vírgulas, passei tinta nas unhas. de pouco serviu; adiantaram as contas do mês - aliás, as contas do ano ainda sequer apresentado. so, i waved for you - foi erro meu, querido, impulso matutino, sabe como é? acreditei, fiz fé, até segurei as cordas do varal quando ouvi a tempestade chegar. e numa manhã de domingo, soltei. e lá fiquei, enquanto choviam baldes, raios, sapos e intimidades, de mãos livres, enquanto todas as roupas seguiam seu rumo, livres, invadindo muretas e sobrados. estendidas no chão.

depois, tranquei a porta e fiz um café. rodei a chave e fui embora. paguei as contas?

sábado, 18 de dezembro de 2010

mariano,

por que manter o olhar é tão difícil?
eu leio ana c. porque ela fala comigo: é o diabo do interlocutor; a poeta sabia para onde apontar as suas vírgulas (são poucas, é bom dizer). afogamento circunstancial em vírgulas: seria um defeito, ana? de gramática, conheces bem; aqui, nunca foi o forte. escrevo cartas imaginárias e diletantes para a autora deste rosado livro, cartas que tornam-se poemas, cartas que tornam-se rascunho, cartas que morrem por serem cartas sem destinário conhecido (ausente, pois sim). a poesia de ana c. conclama quem quer que esteja do outro lado a revoltar-se, levantar-se da cadeira e agir. porque dói. a poesia de ana c. corta. espirra sangue; e não necessariamente o dela, mas o meu, aqui, de quem está vivo e de quem lê. de quem ficou. a minha poesia tem muito de ana c., como também tem de rimbaud, de blake, de miller, de bukowski: no fundo, estamos todos sós contra nós e aqui da janela o cenário não parece muito apaziguador.
"eu queria jogar minha intimidade, mas ela foge eternamente. você tem razão, ela escapa. é o drama de toda literatura. " Ana C, em 1983.
as for me, all birds are you.
começou mordendo a boca. terminou engolindo os dentes.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

começou assim: estamos terminados. você vai, tem seu filho, aninha-se na nova casa, assume outro nome e guarda as réstias de sol em baús arejados. eu sofro pra caralho, arrumo minhas malas - as esburacadas e as perdidas -, encontro uns homens aqui, outros ali, e tudo fica muito bem. tudo muito bem. passam-se alguns dias, você de óculos escuros me oferece uma carona: não, não, mas o trânsito do rio de janeiro é tão infame, vou esperar mais um pouco, tem certeza, olha lá, não quero que chegue atrasada, desligo o celular e esqueço do táxi. estamos terminados, digo e repito. com ênfase e negrito. penso nas letras que deixamos de escrever, nas cores que perdemos dos poemas nunca revisados, do gosto do vão aberto da sua boca. estamos terminados, você lembra. mas segura a mão direita (a minha, eu quis dizer). escrevo um bilhete canhestro na sua orelha: estive lendo um conto de chorar; queria ler para ti algum dia. na outra orelha, tua frase: também guardo coisas para te contar um dia.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

a quarta casa já foi conjunção astral, revolução interplanetária, barbarella alucinada: mudança de território natural. primeiras impressões, laranjeiras à meia-noite, folhas amarelas que voavam e dançavam melodias ensolaradas. fui feliz em laranjeiras. por fim, santa teresa, onde aprendi que a menor distância entre o inferno e a terra chama-se asfalto.

agora, inglaterra. amarga inglaterra. à beira do tâmisa, nascem todos os nossos segredos, doce ana.

domingo, 5 de dezembro de 2010

da minha primeira casa, poucas lembranças: lá, do nono andar, vi a noite crescer e preencher o sono de elocubrações. da segunda, houve um pulo: já estava entre livros, tapetes e uma mata gigantesca, onde o verde virou quintal, janela, memória e, por fim, tudo. depois, a rebeldia, doce, servindo de calendário e o choro no meio da rua, escorrendo vermelho (por nada). a primeira casa, porta batida, varanda, amigos que nunca mais foram embora (graças a deus). lembro de uma foto que tirei na última noite: a visão da porta.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

de ti, carrego as melhores histórias
pena que são apenas
histórias.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

trocar a pele quando se é vírgula
alçar na
ponta do pé
pequenos
vôos
rumo
janela
dentro
esquerda e direita são meros arranhões
dentro de um poema.

armadilha

ranger os dentes à espera de um mapa.
levanto o alçapão - vôo e luvas. escondidos, seus olhos turvos e opacos. onde mora o cinza quando todos dormem? desenho mapas em madeira, lápis a lápis, pontiagudos e nocivos, que é para você não se perder. aliás, o que faço com você, misterioso você? os fios, doces fios, venenosos fios da carne se desfazem diante dos segredos erguidos à beira do alçapão: voltamos ao início? oh, no. sempre me perco em digressões.